quarta-feira, 30 de julho de 2008

a insigne residência dos limas

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episódios da vida rural
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a aldeia é pequena, recatada, ordeira, sem sinais de grande desenvolvimento, um ou outro acesso mais arranjado, mas no fim de contas foi por isso que vieram viver para aqui, pelo isolamento. estes dois, marido e mulher sem papel oficial passado pela santa igreja de roma, vivem juntos há doze anos, e nesta terra perdida do mapa mundo, vivem há sete parcimoniosos anos.
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(a quinta foi comprada depois da morte do velho jeremias, a quem a sorte da viuvez remeteu para um arrastar penoso no tempo, como se perdido da casa, do tempo, dos dias, como que a sua alma há muito vagueasse por outro mundo, e do seu corpo apenas restasse a carcaça ambulante)
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duas pessoas assim já não se fazem, já não existem, diz o povo que nunca os viu em desentendimento ou discussão. e a verdade é que são uma harmonia em forma de união. dizem que o homem pode ser mais sisudo que a mulher. e talvez o seja. talvez pelas manhãs mais frias se faça sentir a sua indisposição e o seu temperamento acutilante contra o remoinho interior causado pelo frio. são achaques repentinos e passageiros. ao beber um café e ao sair para a lida do jardim, os meandros insondáveis do mau humor rapidamente dão lugar a uma sintonia perfeita com a natureza.
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é assim a vida de duas pessoas que vivem no campo. são ambos cuidadosos nos seus afazeres. ela professora universitária, ele engenheiro agrónomo. nada fora do comum, a não ser terem escolhido viver num recolhimento apaziguador. cumprem a sua vida diária nas cidades vizinhas, correm como outros contra o tempo do dia-a-dia estafante, deambulam pelo trânsito caótico como o comum mortal, mas ao converteram-se a este viver recatado, recuperam em pouco tempo o ritmo desacelerado dos pássaros que os visitam nos jardins.
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(a quinta é mais uma pequena casa recuperada por um arquitecto amigo com experiência nesta área. tudo foi meticulosamente tratado de forma a que nada excedesse o ambiente rural, e a imagem que todos os dias eles veriam ao regressarem a casa seria a de um paraíso perdido, coberto de folhagem, árvores e heras sinuosas. uma recuperação sóbria e condizente com os seus estados de espírito.)
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hoje estão ambos na sala de estar. não é uma sala comum, com uma enorme passadeira que se estende de uma ponta à outra, com duas mesas de trabalho de ambos os lados. a simetria era algo tão natural na sua organização, que por vezes nem se apercebiam do ambiente geométrico em que se estabeleceram. ela lê uma tese sobre os micro-organismos paleais, ele insiste em resolver enigmas, tentando descodificar umas frases hieroglíficas, uma paixão antiga.
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na janela, por onde a luz entra sempre com moderação, esbatendo as imagens definidas pelos corpos, está um colibri a observar os nossos inquilinos da natureza. o seu azul-turquesa não passa despercebido ao nosso amante do egipto, que sorri quando o vê.
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és um colibri que desmaia de azul na minha vida,
que queres tu poeta?
um beijo e um passeio era capaz de servir para relaxar.
tortuosos são os caminhos do senhor…
sim, pois então endireitemos as veredas que ele pode voltar a qualquer momento.

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seguem de mão dada pelo caminho que dá para o rio, conversando sobre o tempo que ele perde a desvendar mistérios tão inúteis como os egípcios.

4 comentários:

Anónimo disse...

perfeitos...

Anónimo disse...

parabéns..:-)

nina

S. G. disse...

já agora...não é?

obrigado :)

mas é pelos meus anos, certo?
é que se for pelo texto, não tou a ver o porquê dos parabéns.

Anónimo disse...

o texto não está mal..mas foi mesmo pelo teu aniversário..

nina