Numa época de globalização e partilha universal de conteúdos (de que este modesto blogue é exemplo) assiste-se à institucionalização de novos comportamentos e atitudes, algumas delas bizarramente contraditórias, senão repare-se, a massificação e banalização de ficheiros multimédia, por um lado, sufoca a antiga cultura de atenção ao pormenor com que alegremente cresci (recordo ternamente todos as minudências do primeiro CD que comprei, desde o alinhamento das músicas, o tipo de letra usado no folheto interior do disco até à pose triunfante dos membros da banda que figurava a capa, na altura os meus heróis idiossincráticos) por outro lado, a rede global alarga o espectro de preferências, permitindo instantaneamente um acesso, outrora indigente e cavernoso, a uma outra série de expressões visuais e musicais esquecidas sob a inglória miséria do esquecimento (o revivalismo da história popular está nas ruas...).
No entanto, a banda Desenhada permanece surpreendentemente imperturbável, inalterável e granítica na sua matriz, ou seja, pessoal e intransmissível. Um livro de B.D. é desde os seus primórdios uma obra de arte popular, os seus conceitos e virtudes emanam um estado de espírito como se fossem pequenos frescos da sociedade e de uma época específica. No entanto, também não deixa de ser interessante o facto da sua maior virtude residir no tacto, inigualável, impossível de digitalizar, impossível de se decifrar em linguagem binária, impossível de viajar pelas fibras-ópticas. Este último facto, torna quem os colecciona em pequenos garimpeiros de histórias, como que em busca do ouro do seu conhecimento.Tudo isto me leva a afirmar uma paixão ainda mais inflamada pela virtude da Banda Desenhada.
A Banda Desenhada foi durante anos o laboratório de algumas das mentes mais criativas e subversivas na arte de contar histórias pela misteriosa síntese de imagens-conceitos-simbolos. Durante décadas, a Banda Desenhada havia desempenhado a tarefa redutora de profilaxia de consciências assim como de pura propaganda Pan-Americana (não me deixa de causar sumultaneamente repulsa e ingénua condescendência, uma capa “pré-histórica” do “Captain América”, onde o próprio esmurrava estridentemente a face do próprio Fuher! )A América sorria e a Europa de orgulho ferido, simplesmente anuía.
No entanto, uma nova geração, embrionária de artistas visionários, capazes de incendiarem os valores instituídos com a megalomania demiurgica de um cirurgião, que munido do seu escalpelo procura um “Deus desconhecido” nas entranhas pútridas e virulentas do corpo-humano, haveriam de espalhar novas matizes na febril e monocromática Banda Desenhada da primeira metade do século vinte.
Nos anos oitenta, as televisões vomitavam os conceitos tatcherianos da selvagem apologia a um capitalismo hipócrita e cínico, adormecendo consciências. Os ingleses em particular, viviam uma era de sonhos, embora alheios ao esforço de um quase “génio maligno” cartesiano, cujo o único objectivo seria o de manipular a percepção do mundo nas suas mentes. Assim, neste contexto desulador e cinzento, haveríamos de assistir à transfusão criativa e inspiradora de três mentes, que situados para além do seu tempo, abalariam profundamente as fundações e as convenções do seu tempo. Das profundezas do próprio Inferno em direcção á luz e á salvação perdida, emergiram os arautos de milagres, profecias e sonhos nunca antes percepcionados, os seus nomes, Alan Moore, Neil Gaiman e Frank Miller, os profetas da B.D. contemporânea. E em conjunto, vaticinaram os dias do fim…
(continua)
7 comentários:
Um dia destes tens de colocar aqui é uma b.d. do "Formigo".
Esse ícone do neo-azeiteirismo de 90.
Mas tem de ser uma que faça referência ao "lobo mau contente". Nada de b.d's que possam ferir sentimentos, nas quais uma certa personagem vai encontrar o avô ao Ponto de Encontro.
Não te esqueças do incontornável "LISKAS BUNKER" ou ainda do famoso "Gun's Roses" ou ainda do "Hitler Punk". Enfim verdadeiras pérolas da street bracarense!
Assim de repente lembro-me de mais uns ditos desses profetas da parede:
"Cacem"
"Chegue Vara"
"Núria Amo-te"
E por fim, três clássicos:
"Rico gasta, pobre paga"
"Quinze contos"
"Dume nem porcos"
faltam aí uns ícones dos grafitters,
"REVUI LIÇÃO!" (referência falhada ao lado do che)
e "Costeira pina lota"..
bem como os inigualáveis "LING CHUNG" e "BMX"!
desculpem, falta este
"nem deus nem amo"
...e também o sexy "playboi" ou ainda o socialmente preocupado "Primeiro foi Hiroshima, depois Nagasaki, agora é a bomba de Real" e por último, na onda do mais puro enxovalho "Frossos = Merda".
Nota:o momento que se seguiu foi da total responsabilidade de quem fez os grafittis.
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