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o homem que vêem a fumar no monte de terra, está há mais de duas horas a descansar. é uma das manhãs mais frias que já vimos por estas bandas. não costuma fazer tanto frio nesta terra. dos 35 montes de terra que vemos daqui, 27 já estão cobertos por uma erva daninha difícil de arrancar. ele está sentado no mais recente e fuma cigarro atrás de cigarro, num movimento sempre repetitivo. acende o cigarro que começa a fumar, com o que acabou de inalar. é sempre um ida mais calmo. o antónio dornas, foi o mais novo dos 13 rapazes que nasceram daquela família. e por ali ficou. morreram três na guerra colonial e mais dois de pneumonia. os outros seis estão emigrados.
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chamam-lhe o coveiro. não que seja a profissão dele, mas pelo seu hábito que há mais de 6 anos adoptou. de vez em quando (ninguém percebe a ordem da escolha daqueles dias) abre uma cova de noite e quando a volta a tapar, sobra sempre terra. daí que seja perceptível deste ângulo que ele se senta no 47º monte do seu terreno. a terra que o pai deixou. a terra que a mãe deixou.
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ninguém sabe o que ele enterra. ninguém imagina o que ele esconde. mas ninguém se preocupa. nunca desapareceu ninguém desta terra, nem dos arredores, para que se suspeite que ele comete algum crime. o seu único crime foi ter ficado aqui sozinho. o seu único crime foi ter deixado a sua vida escapar. agora já não importa como o tempo passa. nem que seja a fumar estes cigarros.
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(cont.)
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