terça-feira, 9 de setembro de 2008

o apocalipse dos trabalhadores

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quem ler esta obra não passará a conhecer bragança, nem mais pormenores do interior de portugal, dos que não sejam já sobejamente conhecidos, mas poderá contudo provar um sabor mais requintado e eloquente desta gente, “porque isto aqui não é nada […] não vai ser terra de negócio para ninguém. vai ser um campo vazio a arder no verão e a congelar no inverno, e quem cá viver será só vítima de um dia atrás do outro e nada mais.” (pp. 180)

o enredo centra-se mais na vida difícil dos que sem empregos estáveis, e dos que com trabalho muito precário e muito mal pago, levam uma vida de desenrasque constante. a maria da graça, personagem principal , leva uma vida de mulher-a-dias, na casa de um rico senhor ferreira, que paga um ordenado miserável. certo é que o homem passa o dia em casa e em variadas ocasiões o sexo entre os dois é tema mais que estranho, dada a inconstância da reacção de maria da graça, ora consente o acto, ora se recrimina pela traição ao marido augusto que vive em alto mar.

a quitéria, segunda mulher-a-dias, é também peculiar pela idade avançada e por ser descrita como mulher desembaraçada no que toca a amantes. o andriy, seu novo namorado, é o personagem romeno que completa o cenário, entrelaçando a difícil vida dos romenos com a sua imigração em busca de um país que os fará ricos, com a realidade transmontana. as dificuldades levam à conclusão que “o melhor era beber a cada noite o suficiente para deixar de pensar nisso. não pensas, não falas, não queres falar […] é importante perder a lucidez para não existir a necessidade de se ser compreendido, […] viu-se como um competente administrador das suas penas, pondo-lhes fim, uma a uma, com força de ferro.” (pp. 55)

há dois aspectos de salientar na construção do cenário, um deles ressalta à vista por descrever de forma muito kafkiana (na vertente metamorfose), a forma como o pai do senhor ferreira se arrasta pelo chão como uma tartaruga – depois de uma queda que o paralisou – realçando o pormenor estético duro da imagem transmitida. o segundo aspecto é a constante descrição dos sonhos de maria da graça tentando entrar no céu, que apesar de peculiar, dá-nos uma visão dantesca do que poderemos chamar purgatório.

o refinar da qualidade do sarcasmo e principalmente da ironia, mostra que neste livro houve um esforço em tentar pintar de uma forma mais leve os cenários da vida difícil que os personagens são obrigados a enfrentar, sobressaindo principalmente na descrição dos velórios em que as duas mulheres vão ganhar dinheiro fazendo de carpideiras. há certos momentos hilariantes em que ao imperar o medo o autor alivia o suspense pela conversa das duas amigas “chiu. ouviste. não. pareceu-me ouvir qualquer coisa. quem dera seja um homem e nos viole. cala-te és tão estúpida. e tu pior, que te apaixonas pelo estupor de um velho que te come com um dedo mindimo e cheira mal.” (pp.33)

parece diferir em muito da forma como foi construído “o remorso de baltasar serapião”(2006) e “o nosso reino” (2004), estes sim muito próximos nos cenários um pouco carregados do fabuloso e do imaginário. neste caso a vida acontece tal como ela é, onde sobressai a permanente luta entre o que se pode compreender ser o amor, e o que se vive na prática. há sempre presente a ideia de que os personagens são românticos e sonhadores, aspirando a uma vida amorosa perfeita, contrastando com os seus inconsequentes actos dominados pela vontade sexual. atente-se nas duas citações seguintes: “encheu o peito de tanta coisa que poderia ter respondido de mil maneiras, boas ou más, tão diferentes e todas tão importantes. parou os olhos no ar expectante do desconhecido e respondeu, não me interessa o amor, isso é coisa de gente desocupada que não tem o que fazer.” (pp.29) desdenha-se o amor, para logo a seguir comprar esta imagem, “pois, coitada, morrer de amor á espera. isso de esperar é que me dói. morrer de amor tem de ser no acto, isso, sim, é morrer de felicidade. agora morrer à espera é do pior.” (pp.34)

gosto também de realçar a forma muito pessoal de encarar a religião do autor, porque em muitos aspectos parece um católico, que não sendo ateu, nem propriamente um agnóstico, delimita a força de chegar a deus ao homem e à sua vontade própria de se comunicar com ele, “é o que devia ser uma religião, apenas isso, uma profunda e tão intuitiva paixão pela vida.” (pp. 59)

todo o resto da obra saltita entre vários cenários - com a facilidade típica do autor em relacionar espaços sem cortes bruscos - e os pensamentos interiores dos personagens, tantas vezes levando a uma quase cerimónia esgotante dos limites do bom senso e da força dos actores, não sendo de estranhar assim o desfecho do livro, “mas as coisas pareciam destruir-se, a partir da sua cabeça, sem dúvida, como se entrasse inevitavelmente numa depressão. como se fosse entrando, vendo a boca dentada da depressão, e não conseguisse recuar, alegrar, enfim, o seu espírito.” (pp. 127)
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a luta está ali, os dois gumes da faca em contenda, como se a esperança revivesse no suor da amargura “quando bebeu o primeiro gole de vinho julgou que a vida, se fosse justa, poderia ser feita daquilo e de mais nada. ao inventar as coisas, quem inventara, deveria ter-se ficado por aquilo, um vinho, uma amizade sincera, o calor magnífico do fim da tarde, a paisagem mais bela de todas. era tão fácil inventar só aquilo e só com aquilo garantir com segurança que a todas as pessoas do mundo inteiro seriam felizes.” (pp.146)
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percebemos que o futuro pode sempre ser melhor e conceder-nos um espaço mais preenchido das coisas que escrevemos serem boas. “um dia o futuro vai estar sobrelotado, e não vai haver ninguém para saber da minha história, se trabalhei ou roubei, se amei ou odiei, e eu não quero ser rigorosamente nada senão uma réstia de felicidade” (pp.177) e haverá algo mais importante na vida?

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o apocalipse dos trabalhadores [8/10]
valter hugo mãe, quidnovi - 2008

APRESENTAÇÃO NA FNAC BRAGA - QUARTA-FEIRA, 10 de SETEMBRO

1 comentário:

Jest nas Wielu disse...

Andriy, a personagem eslava deste romance é ucraniano, não sei para que o chamar de romeno...