sábado, 29 de dezembro de 2007

Aí vem ele

Esta semana andei um pouco arredado destas lides. Andei atarefado com a preparação da Assembleia de Freguesia!

Faltam 3 dias para a festa da passagem de ano! Faltam 3 dias para que na manhã de 1 de janeiro, ao acordar, verifiquemos que tudo subiu de preço...

Um bom ano de 2008 para todos!!!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

já vamos tarde

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já vamos um pouco tarde para isto, mas sem dúvida que seria uma ideia particularmente brilhante podermos assistir à nossa evolução.

via [fontes do ídolo], a evolução das espécies.

[556]
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vinha a pensar em escrever qualquer coisa relacionada com o dia especial em que deixei de fumar. pois bem fiz as contas e só posso dizer que, por coincidência, até porque gosto de capicuas, faz hoje exactamente,
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1001 dias que deixei de fumar.
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parabéns para mim.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

o regresso

[555]

temos de regresso à blogosfera um bom blog, BRACARA AUGUSTA, ainda por cima com novidades fresquinhas, as imagens do dolce vita que será construído em braga.
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esperamos e ele voltou. esperemos que para ficar.

[554]
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O teu coração parece
uma pedra sem destino
dizem que só amolece
ao canto de um gambozino
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Uns dizem que é fugidio
os outros que é de má raça
tenho de ter algum brio
para não espantar a caça
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rio grande

[553]
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se houvesse um referendo eu votava pelo sim. como não vai haver, voto em mim.

[552]
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terei mais a dizer de valter hugo mãe. depois de ler obviamente o seu livro premiado, "o remorso de baltazar serapião". por agora deixo-vos uma letra que ele escreveu para uma música. um rebuçado a quem adivinhar quem a canta.
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se te perguntarem por nós, sobre
que coisa fazemos quando estamos
juntos, diz a verdade

que deslocamos os cometas sem
querer, as estrelas para desenhos e
a lua garantindo o amor

diz a verdade sobre a intervenção
na cósmica escolha dos casais,
a obrigação de nos obedecer

não fosse o universo desentender quem
somos e favorecer a separação ou,
pior, o não nos havermos conhecido
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via [casa de osso], blog de valter hugo mãe

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Ervas Venenosas



Não quero entupir isto com videos mas este... tinha de ser.

No comment.

[549]

antes de sair, e enquanto ela pigarreava contra os sistemas inerentes ao convívio a dois, ele aproximou-se dela, deu-lhe um beijo, demorado, seco, parando e arrancando ao ritmo do coração dela, ele que o sentia no pulsar ao agarrar a mão dela, velocidades desmesuradas de sangue a entrar e a sair das aortas. demorou o beijo tempo suficiente para ele passar a língua lentamente no céu da boca dela, ela a rir por dentro, *** filho da mãe sabe mesmo do que eu gosto ***, e ele a rir por dentro sabendo que aquilo faria parar o dia embirrento que desceu sobre ela. parados a olharem-se ambos, piscaram o olho. pegaram nas malas e saíram. mas que dia de sol.

[548]
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um dia qualquer o que mais temes torna-se realidade. podes crer. e depois é como um banhito de água de inverno.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Band AID

Bem sei que muito camurça me pediu os Wham! e o seu exito de Natal, mas optei por este. Também entra o George Michael, para quem o queria ver.



Para todos aqueles que viveram natais de sonho nos anos 80 como eu, em que o Pai Natal não existia e quem trazia as prendas era o menino Jesus.
Quando tudo era alegria, as preocupações eram uma miragem e o Natal era mesmo um dia especial.

Feliz Natal

[546]
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sonhei que era um solteirão de 40 anos, vivia sozinho, com dinheiro suficiente para mandar cantar um cego, e depois do esforço de anos a fio, vivo neste T2 sozinho. a minha véspera de natal é acompanhada de grelos cozidos, e ovos mexidos, batatas fritas de pacote e um eugénio almeida reserva. é natal.

Musica de Natal



By "OS AZEITONAS"

sábado, 22 de dezembro de 2007

Boas Festas



A todos os 5 Pês e aos nossos visitantes desejo um Feliz Natal e faço votos de que tenham um Ano de 2008 repleto de coisas boas!!!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

[543]
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eu sentei-me naquele fim de tarde, ainda ameno, mas cada vez mais escuro, no banco do jardim, o mesmo de sempre, o mesmo dos dias em que nos encontramos, o mesmo banco de jardim confidente dos segredos que nós revelamos, o banco pintado de vermelho que nos agarrou tantas vezes, nos amparou na dificuldade e desespero, nos admirou ao sol do verão, nas tardes do domingo, nas noites da semana, nos dias eternos, marcados pelas certezas, acirrado nos intentos de nos proteger.
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eu sentei-me e esperei como nos outros dias. eu sei que me marcarias no ponto da fraqueza humana. eu sei que tu querias entrar de novo na rotina diária, no desolador horizonte, na pobreza do espírito invasor e dilacerante. ensaiaste o discurso, dito e relido ao passo que eu sentado a olhar as crianças a brincarem na relva, dispensei ocupar a minha cabeça com os futuros por ti delineados.
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quando senti o teu perfume, senti o medo de ter de voltar atrás na decisão. de cada vez que pestanejava, detinha-me por segundos nas memórias gravadas em frames espaçados. dias em que mergulhava nas sombras refresco. refresco do teu sorriso que me embriagava e asfixiava...
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(...deitava-me perto do teu cabelo, numa manta estendida, um piquenique sem nada para comer, uma garrafa de água, refresco. refresco para me saciar e libertar do teu sorriso. deitado a olhar as copas das árvores a fugirem longe, depois fechava os olhos e deleitava-me a ...)
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...relembrar esses dias de sol, refresco da alma, remorsos que me invadiam, e a minha decisão a recuar, a ganhar forma de gente e vontade própria, recuava ao ver o fundo da tristeza do teu olhar. e eu a insistir e a recuar também, como que a dar razão à minha vontade de desistir e insistir no erro.
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sentas-te devagar, de vestido rasgado misturado com a pele suave, mergulhada ao sabor da brisa que invade o teu corpo. és tu que olhas a minha vontade a recuar e engrandeces a cada minuto que eu vacilo, ao sentir o teu perfume. vacilo porque recordo...
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(... o perfume em que me embrenho devagar, sorrindo, rindo, olhando o teu cabelo, castanha ou loiro, de brilho ofuscante, reserva de espaço vital, protegido, avançava devagar para aproximar o desejo da vontade. a vontade de tocar o teu íntimo. ver a forma da alegria do contagio da minha companhia. e ditava as regras próprias...)
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...as tuas e as minhas. e disse-te que não queria voltar a insistir. destroçado olhar esse que enterraste na minha alma. eu a viver de novo e tu a venerar uma parte que davas aos finados. a parte que em mim morreu nesse dia. cortavas em fatias a parte que querias deitar fora. se eu pudesse voltar atrás e deitar-me de novo por baixo dos pinheiros e ter o céu mais perto.
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acho que tenho uma carta tua. de comiseração. que os meus olhos não vão ler de novo.

Azar o deles!!!

Realizado o sorteio para os 1/16 avos da Taça Uefa, saiu-nos em sorte mais um colosso europeu, o Werden Bremen da Alemanha.
Azar o deles... Cá vos esperamos... para solidificar o caminho, rumo à final!!!
P.S: isto é que é confiança...

[541]

se a noite não fosse fria eu até podia ter esperado. mas a espera cansa e o frio apertou.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

[540]

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pudesse eu desejar o futuro da mesma forma que venero o passado. e este presente tantas vezes impregnado de inocuidade.
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para compreender, destruí-me. compreender é esquecer de amar
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(Bernardo Soares, in Livro do Desassossego – Obras de Fernando Pessoa)

Camurcinas!

Cambada de camurcinas! Ninguém diz nada hoje?

Parece que fui o unico que sobrevivi...
Bebam água... ou sumol.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

os 47 dias do desterro (XXII)

[538]

ele sentou-se na berma da estrada. olhou com produnda saudade os campos que na sua cabeça ainda estavam a ser arados, fresados, adubados e amanhados ao gosto dos agricultores. a sua cabeça era a paz liberta dos pecados e dos erros. sentado a fumar o seu cigarro, pensava ainda nas lutas que travara, na mulher que ficara para trás, a viúva fazia o mesmo naquele momento. e ele ali sentado, os carros passando em marcha lenta como o seu pensamento, marcava a sua vida em pautas de música, pássaros chilreando perto em uníssono, a sua miséria termina assim sem a glória que ele pensava alcançar.
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desceu da camioneta. parou como a tirar medidas aos espaços, às ruas, aos caminhos, todos a olharem com ar de poucos amigos, desconfiando da sua presença. chamou um táxi pela primeira vez na sua vida. deu a indicação da morada, e aproveitou a viagem a pensar no que diria. assim as palavras saíssem da sua boca, com a mesma profusão com que decidira a sua vida. pagou o táxi, tirou as malas e ao aproximar-se da porta, antes de bater, pensou ainda no discurso que ensaiara, e naquele momento apenas assolava à sua cabeça a decisão. mas nada o impediria. bateu à porta. duas vezes. ninguém abriu. desceu as escadas da entrada e deixando as malas à porta foi pelas traseiras. ali estava ela. sentada a ver os campos lavrados, semeados, germinando neles a semente ainda pelas mãos dele plantada.
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a viúva olhou com embargo nas palavras, e apenas disse, antónio voltaste. e ele ali parado sem saber o que dizer, apenas sorriu dizendo, voltei para viver contigo. e ela disse que ele podia ficar ali mesmo na sua casa, para que os desejos noctívagos que lhe assaltavam o corpo pudessem ser saciados à hora e ao sabor dos seus anseios. a única coisa que ele fez foi afagar a cara dela com a mão direita, fazendo lembrar o dia em que se conheceram, e sentindo a sua pele, entraram deitando-se na cama, sem palavras desnecessárias, ela de lado na sua posição, ele entrando devagar na cama, dois ou três beijos fugidios, e o amor de ambos em movimentos secretos, escondidos no intimo, revelado por esta pena, sendo selados para o fim dos dias do desterro.
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o homem que vemos sentado no quintal, a fumar o cigarro e falando para a sombra, está no fim dos seus dias, olhando o seu pai nos olhos, dizendo que morria feliz hoje. o seu pai veio acompanhar a sua partida para o mundo dos desaparecidos. ele sorri ao seu pai e suspira encostado à oliveira com mais de cem anos. lá dentro a viúva deitada na cama, sorri ao seu pai falecido, que a vinha buscar também. o momento gravado na memória deles. o suspiro final de ambos na terra do desterro. na terra do nada. onde todos são a prova dos dias que continuam. mesmo que o amor vingue a espaços, nada é eterno.
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à entrada da aldeia colocaram um letreiro que diz "dos amores aqui vividos, reza uma história de desterro. o erro será não visitar este paraíso".

Dia de encontros



Hoje é dia de reencontro entre o S.C. Braga e o Estrela Vermelha. Espero que a estrelhinha desta feita sorria ao Braga, e que a nossa equipa consiga vencer os sérvios e assim assegurar a passagem aos 1/16 avos da Taça UEFA.

Hoje é dia também, do encontro dos "bloguistas" e leitores do "O Blog dos 5 Pês"... Divirtam-se!!!

diários de bordo

[536]

chamo a atenção para estas palavra sábias e deveras interessantes. poderiam ser edificadoras.
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sérgio figueiredo, economista, figura crescente e de futuro muito previsível de tão bom que é, escreve na revista sábado um artigo dilacerante. nada que todos os dias não pense e não tenha acontecido. e por isso deixo aqui, via [para quando a revolução], as melhores palavras que li nos últimos tempos.
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o que canto às vezes no chuveiro é que se torna irritante para o vizinho. embora as palavras sejam boas.
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" e quem sou eu para te ensinar agora a ver o lado claro de um dia mau
eu sei a tua vida foi marcada pela dor de não saber aonde dói / mas vê bem não houve à luz do dia / quem não tenha provado o travo amargo da melancolia." do album "o monstro também precisa de amigos ".

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

os 47 dias do desterro (XXI)

[535]

o homem que vimos muitas vezes a fumar, deitado nos seus dias sonolentos, olhando o futuro e desenhando o passado com as nossas palavras, está definitivamente desprendido da terra. nada mais augura ou aspira a ter neste mundo igual todos os dias, de campos e terrenos lavrados, de dias ao sol e frios, de dias sozinho a ler, a pensar, dos dias com a viúva, ainda que quentes, que já não servem para o prender a este caminho que tem para percorrer.
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depois de fazer o funeral da sua mãe, em que todos os seus irmãos vieram de frança e da suiça, acompanhado ao longe pela ajuda da viúva, nesta altura em que já muita gente sabia da sua concubinagem com ela, e no dia em que todos vieram prestar a sua homenagem tantas vezes só para ver as condições da sua casa, as condições em que vivia, e falar mal da viúva que se entregara a este homem duro, uma mulher da sua condição só podia estar desesperada pelo desgosto.
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o dia foi escuro. escureceu cedo e, como que o dia não existisse, cedo se tornou negro. parecia que aquela terra se entregava a este papel nos dias em que desaparecia alguém do convívio. foi um funeral concorrido. muitas pessoas em ordeira manifestação de pesar. seguia o carro à frente com o caixão. e o dia negro. as pessoas de cabeça baixa, murmuravam as conversas do dia-a-dia, e todos a olharem a viúva perto do antónio. lá na frente. e o dia escurecendo mais. chegaram às portas do cemitério, descerraram o lençol que vinha em cima da urna, e os quatro irmãos, incluindo o antónio, pegaram no corpo e ali no centro do cemitério, pousado no que chamavam de banco, foram ditas as palavras tantas vezes repetidas pelos anos fora, e que todos sabiam quase de cor. a hora do fim desta mulher chegara devagar e lento, tal como ela não queria. ou o antónio começou a chorar, ou a chuva começou a cair. levaram a caixa pesada e enterram junto da do marido. o antónio não deitou o punhado de terra. todos os seus irmãos fizeram essa gesto de traição. e jurou a si mesmo que vira os dois, o seu pai e a sua mãe a sair pelo portão de mão dada. olharam para trás e sorriram ao partir.
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o homem que vêem no comboio, parte para zurique. com o bilhete de ida. olha pela janela e pensa que finalmente se vai livrar dos seus erros de sempre.

os 47 dias do desterro (XX)

[534]

o homem que vemos por estes dias deambulando na sua vida diária, normal, descomprometido perante o que se assume corriqueiro, vive os dias assim, incertos, maleáveis ao sabor das vontades do seu intimo, dos desejos mais banais, como o que ele agora faz. sentado em cima de uma monte de terra, fresco e fumegante do frio, ele fuma o seu cigarro, naquele que sabemos ser o 47º buraco e último da sua vida. neste seu quintal.
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os seus dias tem sido premonitórios, de sabores a batata cozida e um peixe, ora cozido ora grelhado no seu fogão de sala. vive assim só e em paz. vive de fugazes escapadelas à mulher da sua vida. a viúva cada vez mais saborosa, não tanto como o peixe, embora de sabor a pele com água de colónia feminina, tem sido o plano mais simples e conseguido de toda a sua existência.
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a espontânea conversa de café, fim de tarde arrefecendo ao ritmo dos minutos a passar, e ao por do sol do lado da torre da igreja, foi interrompida pela visita de uma assistente do lar onde a minha mãe estava a viver os seus dias. eu a sentir pulsar nos meus dedos as premonições que me invadiam nos últimos tempos, o dia a escurecer enquanto eu me aproximava do lar e a cor dos meus olhos a tornarem-se brilhantes. ao aproximar-me do quarto onde a minha mãe descansava, julguei ter tido a visão de uma sombra encostada no fundo do corredor, e a assistente disse para eu não fazer muitas perguntas. a minha mãe estava com o seu ar cansado, mas aparentava uma calma que não me impressionava, dada a sua apetência para gostar dos seus dias do fim. ele olhou para mim virou-se, e pela primeira vez falou desde o o dia em que quase se afogara. disse-me que deixasse tudo o que tinha e a partir de amanhã fugisse com tudo para junto dos meus irmãos emigrados. fiquei espantado por ter falado e por me ter aconselhado a partir. ela suspirou e não falou mais. quando saí a sombra estava ao pé dela e pareceria a silhueta do meu pai, que nunca mais me visitara em sonhos. a minha mãe morreu nessa noite.
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questiono-me se o meu erro ainda se manteria ao continuar naquela terra.

Fora de jogo ???

Nunca soube o que era um “fora-de-jogo”, nem nunca perguntei a ninguém para não se rirem de mim. Mas pelas reacções dos meus amigos posso concluir que é aquela altura do jogo onde o jogo passa para fora do campo, daí a expressão “fora-do-jogo”.

Pois vejamos, sempre que o juiz marca um “fora-de-jogo” observo que as pessoas começam a gritar bem alto todos os nomes feios que dão muitos pontos à equipa deles. Passa a ser o público a jogar.

Cheguei a observar o meu amigo Zé aos berros para a televisão quando o juiz decidiu marcar um “fora-de-jogo”. Ele queria mesmo ganhar pela quantidade de nomes que ele gritou. Não sabia que também se podia jogar o “fora-de-jogo” pela televisão, mas a verdade é que a nossa equipa acabou por ganhar e eu acho que foi pelos gritos do Zé.

Será que perdíamos o jogo se o Zé não gritasse tanto?

Tudo isto é vida

Hoje de manha enquanto tomava o pequeno-almoço na pastelaria observava um homem de idade a folhear o jornal, que se encontrava à minha frente. Não sei porque tinha cravado meus olhos nele naquele momento, mas não o larguei um minuto.
Ele passava pelas notícias de um modo ligeiro, dava um pouco mais de atenção a esta ou aquela notícia, mas nunca se demorava muito.

Quando chegou a secção de necrologia dedicou-lhe todo o tempo que tinha. Olhava para as fotografias de quem já havia partido, como um recém-formado olha para um livro de fim de curso. Parecia relembrar velhos e bons momentos com os seus amigos e esboçava um sorriso na sua cara já mal tratada pelo tempo.
Foi uma imagem reconfortante, vê-lo ali a encarar a morte dos seus amigos e conhecidos com naturalidade, muito tranquilo e seguro de si. Fez-me perder o medo de envelhecer.
Foi então que ele olhou para mim e disse “tudo isto é vida”.

Adorava ter ficado ali mais tempo com o meu avô.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Da Vinci

Desta vez um êxito Português. Quem nunca soube a letra desta musica quando era miúdo(a)?




P.s. Numa altura em que parece que já tudo foi inventado e se tende para revivalismos de outras épocas, peço para a moda feminina não adoptar os penteados dos anos 80.

os 47 dias do desterro (XIX)

[530]

vivemos o que temos de viver, sentimos a falta dos dias que passaram, nas horas que agora vivemos. e em esquinas com desencontros de caras familiares, vi o rosto dela em espelhos da minha alma. demasiados dias pesados, contrabalançados ao sabor da alegria que encontrei nos meus livros. depois a morte do meu pai derreou por completo a minha vontade em viver de sorriso nos lábios. eu era o triste sinal dos tempos. a prova de que haveria gente a viver uma vida inteira de desgraças.
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os dias depois da morte do pai, em que todos sabem que a minha mãe se prostrou perante o empenho resignado da sua força, acorrendo aos fugazes momentos tarefeiros da casa, ela viveu sem ser mais nada do que um autómato de movimentos. eu cuidei de terminar todas as coisas que precisavam ser feitas. defendi e protegi a minha mãe das pobres cadências de tempo, tentando resgatá-la do marasmo.
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dias houve em que ia ao cemitério só tentar sentir a presença do meu pai. e consegui muitas vezes, antes de ele me aparecer em sonhos, vibrar com o vento que me trazia a sua voz, tantas vezes fria como o ar.
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os dias trazem-nos surpresas. uma certa manhã em que renovava as flores do vaso que tinha a sepultura do meu pai, vi ao longe um vulto negro, sentado no banco, apreciando as árvores altas e esguias do cemitério. eu sabia que era ela. aproximei-me a medo e com cuidado redobrados, sabendo que em todas as vezes que me aproximei ela fugiu no dia seguinte. mas desta ela não iria. viera visitar o pai e o seu negro era condição da viuvez. o engenheiro falecera em alto-mar. e ela regressara há dois dias a casa do seu pai para se instalar definitivamente. o meu coração bateu pouco, estava seco, e o caminho que eu percorrera de solidão, dera-lhe uma rigidez pouco maleável perante o amor da minha vida. ela pediu-me que passasse em sua casa para que eu pudesse trabalhar em alguns arranjos, umas obras necessárias ao seu regresso.
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esse primeiro dia, foi o dia em que eu estive com a viúva pela primeira vez. a filha do doutor, agora viúva, estava em casa a todo o tempo e dizia-me só, que ninguém nos poderia impedir os dias de aconchego que ambos queríamos. assim foi por muito tempo. eu visitava a viúva algumas vezes, sem avisar, sem dizer palavra e nós éramos desconhecidos dentro de nós, mostrando mutuamente o nosso exterior, expondo a nossa liberdade final, pouco viva e febril, mas sincera e carinhosa.
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esses dias em que meditei partir, o meu erro foi ter ficado.

as blog comemorações

[529]

julgo que não se poderá deixar passar em claro a distinção que foi obtida pelo blog do conterrâneo pedro morgado, avenida central, como o melhor blog nacional cidade/região. é de louvar a sua isenção, atacando convenientemente todos os quadrantes políticos e sociais, bem como a elevação com que enaltece o que de bom se vai fazendo pela nossa cidade e região. sem a obtusa visão que prolifera na blogosfera, de acicatar as divisões entre braga e guimarães, consegue dar uma pedrada no charco no que concerne às ligações entre as cidades, bem como engrandecer os méritos da união destas duas cidades, contando com famalicão e barcelos para superar a interioridade da região.
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por tudo isso parabéns ao pedro morgado.

não diria melhor

[528]

" [...] Muito mais importante que escrever bem é não ser chato. Rousseau escrevia bem mas era chato. Stendhal não escrevia muito bem, mas era incapaz de ser chato. Defoe escrevia horrivelmente, mas todos nos esquecemos disso, porque ele nunca foi chato. Flaubert, que escrevia sublimemente, era chatíssimo. Escrever bem não serve para coisa alguma: é apenas o último recurso dos chatos. [...] "

via [vida breve]

sábado, 15 de dezembro de 2007

os 47 dias do desterro (XVIII)

[527]

o dia amanheceu cinzento na terra do nada. na terra que hoje estava calada. o doutor morreu. o seu coração não resistiu a uma síncope cardíaca. as nuvens carregadas, aliando-se ao peso da terra, as nuvens com olheiras do choro incessante, as nuvéns ainda vão chorar mais no dia de hoje, mais para a hora do funeral.
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a azáfama da minha mãe, a correr de um lado para o outro, a ir à florista, a arranjar linho do melhor que houvesse, a ajudar a mulher do doutor, que coitada, aturdida pelo choque, nem falava. eu ajudei a abrir a cova. queria ajudar o homem que me ajudou em muitos dias. a mim, aos meus irmãos, ao meu pai à minha mãe. não sei se era a melhor forma, mas depois de morto, não haverá muito a fazer pelo seu corpo, a não ser rezar pela sua alma.
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eu sabia que ela viria. e quando estavam a velar o corpo lá em casa, eu fui dar os meus pêsames à familia, mostrar os meus sinceros sentimentos de compaixão com aquela dor. repentina. ela estava ali um pouco parada no tempo, ou fui eu que a parei pelo modo como a olhei. inclinei-me respeitosamente e agarrei a sua mão para a cumprimentar. nesse momento revisitei os lugares frios e frescos da quinta, os anos passados acabrunhado na leve de dor de a não ter um dia só para mim. ela agradeceu e deu-me um bilhete para nos encontrarmos no dia seguinte.
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eu fui a casa dela nas horas em que o sol não nos faz sombra. entrei e fiquei calado. senteado ao lado do piano, as fotos do morto por todo o lado, e eu ali a olhar para a casa muitas vezes familiar, agora demasiado vazia e parada. ela entrou com um chá para mim. disse-me, preciso que me faças um favor, inclinando-se para a frente disse-me as palavras quentes do calor que da sua boca atravesssou a minha pele em direcção ao meu desaranjo cardíaco..
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antes de saír ela agarrou a minha mão e puxou-me para o quarto. sem palavras. sem gestos bruscos, despiu-se no quarto dos fundos, onde dormia a miquinhas, e despiu-me a mim, sempre sem palavras, em olhares misturados de ternura e suavidade, com as carregadas formas de ter passado o dia anterior a chorar. e assim foi que eu libertei o meu espírto. ela desencarcerou a agonia que carregava, o marido em alto mar, eu ali a tocar a pele da perna, entrando e saindo na porta fechada durante anos no meu pensamento. deitei-me um instante no seu peito branco, e fiquei parado em suspenso até que ela me empurrou de cima dela e saímos. ela teria de voltar ao seu mundo. e eu ao meu desterro.
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o cheiro em mim é o mesmo a colónia feminina. embora o erro estive sempre presente num dos quadros que nos olhou o tempo todo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

TVs árabes ensinam maridos a bater nas esposas

Vídeos impressionantes gravados de TVs árabes mostram líderes religiosos a ensinar maridos a bater nas suas mulheres e a submetê-las aos seus impulsos sexuais.

Estas aulas são transmitidas regularmente, via satélite, para milhões de lares em dezenas de países árabes. Aqui os vídeos com legendas em portugês no novo site "Monitor da Mídia Árabe"

Havia de lhes nascer um pessegueiro no cú... daqueles enormes...

os 47 dias do desterro (XVII)

[525]

eu fiquei sem trabalho na quinta do passal. fiquei uns dias a pensar naquilo. o meu pai olhou um dia para mim e disse-me que abrisse os olhos e deixasse de pensar na rapariga. e que fosse pedir desculpa ao doutor. eu não fui durante um mês. mas depois de terminado o meu dinheiro, segui o conselho do meu pai, e voltei a trabalhar lá na quinta.
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a filha do doutor foi morar com uma tia para coimbra. iria estudar filosofia, seria doutora a seu tempo, conheceria o rapaz da vida dela, um engenheiro naval, o casamento foi na nossa terra. foi quando a vi pela primeira vez em cinco anos. disse ao meu pai que não iria ao casamento, não iria suportar aquele cenário, mas o meu pai disse-me que nem pensasse em desrespeitar de novo o doutor.
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assim foi aquele dia. o triste dia em que a menina casou com o engenheiro da guarda. a minha mãe esteve a coordenar as mulheres para se fazer um tapete de flores da quinta do doutor até à igreja. o meu pai ajudou a montar a tenda dos convidados. e eu ali naquele estado, nem sei se triste, se resignado. ajudava uns e outros e fui obrigado a estar na igreja o tempo todo daquela cerimónia.
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passaram os dias desde o casamento. as horas sobre as minhas mãos. os dias sobre os meses e os anos também se esvaíam sem conta. sem parar o tempo, moldei a minha história a dois dias. os meus erros a assomarem-me nos pesadelos, o meu destino cravado nas pedras, como as farpas que me entravam nas mãos em dias de poda e de vindima. eu contudo não tinha rancor do doutor. a menina vivia em coimbra. e eu vivia o desterro.
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o erro foi o desterro da minha vida.

Natal dos Hospitais

Está a dar o Natal dos Hospitais! Apeteceu-me dizer isto.

Se fosse há uns anos atrás ficava chateado. É que ao fim da tarde, provavelmente não haveria tempo para transmitir o Brinca Brincando e isso era grave... muito grave!

Agora vou parar de escrever. O Zé Malhoa entrou em palco...

os 47 dias do desterro (XVI)

[523]

o dia da festa da terra, era a da santa luzia. eu ia com os meus amigos, gastar o dinheiro ganho nas colheitas, nesse trabalho que não mais deixei de fazer desde que o meu pai ficou doente. ele curou-se, rapidamente aliás, e depois dele começar a trabalhar eu continuei a fazer o mesmo de sempre, sempre que me chamava o doutor para alguma labuta diária. e eu adorava lá ir.
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para além de receber dinheirinho ao dia, que eu juntava por ser poupado, ia ver algumas vezes a filha do doutor antunes. tinhamo-nos tornado amigos, viamo-nos com frequência, mas sempre às escondidas porque o pai da menina não gostava que ela andasse pela quinta a conversar com os trabalhadores. e era compreensível que para alguém com o sobrenome dela teria de ter cuidado com as amizades. ela contudo era rebelde e gostava de fugir de vez em quando, tantas vezes àquele lugar do moinho, onde nos havíamos encontrado a primeira vez.
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eu sabia que a festa deste ano seria um portento. a maior banda de música da região estaria lá. os ranchos cantariam três dias seguidos, os cantares populares e ao desafio seriam para uma semana, e eu com a minha ideia de tentar beijar a filha do doutor. a festa começava no dia dos caretos. era na quarta-feira que depois da meia noite, os rapazes da freguesia iam pelas casas a pegar em tudo o que lhes aparecia pela frente. vasos, carrinhos de mão, enchadas, pás, sacos de fermentos, e até uma carroça trouxeram para o adro da igreja. no dia seguinte a aldeia toda ia ver os estragos e riam toda a manhã dos que tinham de ir buscar os seus utensílios, tantas vezes pigarreando contra a juventude, gritando, não há remédio, no meu tempo era com pau de marmeleiro que isto se resolvia.
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na noite do baile, eu vi a menina mas ela vinha com o doutor. tive o cuidado de esperar que ele se distraísse, agarrei a mão dela e puxei-a para as traseiras da igreja. ela sorriu, sabia há muito que eu ansiava pelo seu beijo. ela ria muitas vezes com o mesmo brilho do primeiro dia que nos vimos. senti de novo o cheiro a água de colónia, e finalmente pousei a minha mão na sua perna. ia beijar a menina, ela de olhos fechados, eu de olhos abertos a gravar o momento, quando o pai dela aparece do nada e agarrando-me pela camisola sacode-me com a força da raiva e olhando-me nos olhos disse o que nunca mais esqueci na minha vida, nunca mais verás a minha filha.
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o erro dela foi ter gostado de mim. o meu erro foi ter ficado naquela terra.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

[522]

podem até pensar que eu sou um pouco triste,
mas não há nenhum mal em ser assim,
pois tudo fica mesmo quando se acaba...

foi quando ouvi uma voz cantando baixinho
esta balada que vinha de longe...

Postais de Natal

Sou daqueles que ainda escrevem cartas... sou daqueles que nesta época enviam postais de natal...
Como é bom receber postais da família, dos amigos(as), mesmo até institucionais... como é bom!!!
Podem chamar-me lá o que quiserem, dizer que já não sou deste tempo, que isto agora é mais sms e e-mails, mas eu sou assim!!! Gosto de enviar e receber postais de natal!!!

Tratado.

O que muitos, ao longo de séculos, tentaram fazer pela guerra, é agora feito pela paz. Uma lição de humanidade.

Enquanto a Europa estiver unida, cada vez mais unida, respeitando as diferenças culturais que definem cada povo da união, eu serei simultaneamente bracarense, português e europeu.

Acredito na Europa.

os 47 dias do desterro (XV)

[519]

para pagar a dívida ao padre eu tinha de trabalhar. e com meu pai de cama eu tinha ainda mais responsabilidade. pensei durante uns dias e decidi pedir ao doutor antunes o favor de me arranjar trabalho na sua quinta. eu sabia que ele pedia trabalhadores sazonalmente, ora para as vindimas, ora para apanhar castanhas, ora para colher fruta, e por aí em diante, para todos os trabalhos em que os seus caseiros eram poucas mãos para o necessário.
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sabia que a filha do doutor poderia estar lá. espreitei até por entre as portas para perscrutar a visão que sonhei durante alguns dias. a miquinhas chegou por trás e ao tocar-me no ombro dei um salto e ela riu dizendo-me e novo que não olhasse a menina do patrão daquela maneira.
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estava já a apanhar as maçãs nessa tarde, quando o caseiro nos trouxe uma pinga de vinho. confesso que nunca apreciei muito o vinho, bem sei que não é normal, mas eu não sou a normalidade que se vê em todos os livros. não sou um agricultor da estirpe do meu pai. a bem do convívio bebo, porque eles ficariam ofendidos pela recusa. e o frio acaba por passar, seja com o trabalho, seja com a força do vinho.
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quando podava os galhos da macieira mais pequena do campo, junto ao moinho ali bem perto do rio, ouvi de lá de dentro um barulho estranho. fui devagar a ver o que por ali andava. ao entrar ela nem pestanejou, sorriu e fez um sinal para eu me aproximar. ela tinha a perna de fora do vestido. que visão ainda mais doce do corpo de mulher. que momento eterno. que sensação de fraqueza me deu nas mãos ao encostar a porta. ela brincava com coelho que tinha fugido. disse-me que vinha atrás dele e entrara ali. sentada à espera, em cima de uns quantos sacos de farinha, disse-me para me sentar ao pé dela. era uma ordem quase. e ao sentar-me ela agarrou na minha mão e disse para sentir a respiração do coelho. eu pousei a minha mão na pele do coelho e era a dela que sentia. pelo menos isso eu imaginei, eu queria era tocar na pele da perna da filha do doutor antunes. e o coração do coelho batia como o dela. calmo.
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os dias do desterro eram miragens. eu era feliz. e o meu coração batia com a rapidez do rio. e o meu erro foi pensar que ela podia ser minha. o meu erro foi sempre ficar naquela terra.

os 47 dias do desterro (XIV)

[518]


uma noite de chuva assim só pode anunciar o fim do mundo. trovões, rajadas de luz a rasgar a escuridão do quarto, estrondos ensurdecedores e assustadores, chuva incessante, bátegas de águas a correrem pelas caleiras do meu telhado, e eu ali parado. como se todo o mundo estivesse nas tintas para o meu estado. como se o mundo estivesse noutra parte e se eu ali parado fosse só eu. o apêndice do mundo, o apêndice corta-se e pronto. com sorte evita-se males maiores. ninguém precisa dele para nada. corta-se e pronto. eu ali só, pensava nisso mesmo, disse em voz baixa ao mundo, corta-me de ti.
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durante a noite a chuva amainou e ele descansou o que precisava como sempre, até porque se não tivesse conseguido repousar até àquele momento, também não iria conseguir mais, porque o seu pai entrou mais uma vez no seu sonho. era recorrente, embora com o passar do tempo ele aparecesse com menos frequência. vinha de longe a longe e sentava-se aos pés dele, ajeitava a colcha, punha-se confortável, sentava-se e falava. com a sua voz normal, mais pausada, com um ritmo de respiração quase imperceptível, dizia o que lhe ia na alma. nunca falava da sua vida, que estranho, ele morto e eu a pensar que ele ainda tinha vida. e de certa forma tinha. à maneira dele falava da vida que teve connosco. com a minha mãe, quando eram novos, quando saia com os amigos, quando trabalhava para este ou para aquele. e eu ali parado. longe do mundo. nunca tive medo de o ver ali tão perto e tão real, ele morto eu vivo, e a falarmos como se estivéssemos ambos mortos, e na verdade a maioria das vezes mais parecia isso.
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antes de sair nessa noite, enquanto ajeitava a colcha, disse-me que era hora de não mais voltar aos meus sonhos. pediu-me que olhasse pela minha mãe o tempo que lhe restava e disse-me umas quantas palavras que já quase não percebi.
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nessa manhã cavei mais um buraco. o desterro ali ao pé de mim. as minhas mãos a enterrarem as roupas do meu pai. o desterro dele, e o meu também. o buraco tapado e eu a fumar e a pensar que ele ainda voltaria algum dia.
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tinha dito com a voz a desvanecer que o meu erro foi ter ficado naquela terra. e eu sabia que sim.

os 47 dias do desterro (XIII)

[517]

era uma manhã como tantas outras. uma manhã com a luz das manhãs. escuro só eu que tinha de entregar o dinheiro ao doutor para os remédios do meu pai. pelo menos tinha o dinheiro. saí para a luz da manhã igual às manhãs de sempre, a gente na rua igual ao de sempre, os mesmo nas esquinas, os mesmo olhares de desdém iguais ao desdém de sempre. eu saí pelo caminho atrás da casa do doutor.
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eu sei que na porta da entrada havia gravado uma frase em latim. dizia sol lucet omnibus. mais tarde soube que significava, o sol quando nasce, nasce para todos. pelo menos para os daquela casa. era uma casa senhorial, comprada pelo doutor antunes depois de se instalar na nossa cidade. tinha umas portadas altíssimas em ferro pintadas em verde, com desenhos e trabalhos rebuscados com pessoas e animais na lida do campo. era a quinta do passal. vivam lá três caseiros. era uma enormidade em terreno, uma riqueza de videiras, árvores de fruto, água, minas, uma riqueza inesgotável. tinha pertencido ao conde da pulé. o conde falira às mãos das suas sete mulheres. e teve de a vender. em frente do desespero do conde em fazer dinheiro, o doutor antunes comprou-a sem pestanejar, sabendo que fazia um grande negócio.
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quem atendeu ao portão foi a micas. a miquinhas era a caseira serviçal e solteira que vivia na mesma casa, embora dormisse no quarto dos fundos. sorridente, deu-me bom dia e disse-me para esperar porque o doutor ainda estava no seu pequeno-almoço. eu sentei-me a ver os cães a correr pela quinta. eram pelo menos sete. dois deles tinham ar de poucos amigos e foi com um deles que eu corri à frente a fugir e a temer pela vida, um dia que regressava da missa.
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quando o doutor deu ordem para eu entrar já o sol ia alto. eu olhei e pensei que era quente, ameno, gostoso o afogo da sua mão na minha cara, e de repente, ainda aturdido pela luminosidade do astro a ver ondas calor entre as minhas pálpebras, senti o cheiro a perfume, e a água de colónia feminina. era a filha do doutor. estarreci ali a olhar para ela, meio enublada a minha visão, a miquinhas a chamar por mim, venha rapaz, agora que o doutor chamou, e eu ali especado a olhar para a filha do doutor, uma visão tão periférica que desejava poder estar ali ao seu lado como um homem desejado pelas mãos dela.
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entrei, paguei e trouxe os remédios. sabia que não podia olhar para ela. pelo menos não daquela forma. foi a miquinhas que me avisara disso.
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eu sei que a alegria daquele dia não esmorece o meu erro de ter ficado nesta terra.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

cinenimação

[516]

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o cinema traz-nos muitas vezes a realidade pura e dura. e cronemberg é um pouco assim. um espelho, tantas vezes transparente do mundo que sabemos existir, tentamos esquecer, e muitas vezes é o cinema que nos mostra a podridão que existe e existirá no mundo, ou melhor no sub-mundo.

a história de amor mais subtil que já vi na tela. uma história de violência, de guerras entre máfias russas, de tráfico de mulheres, violações e mortes. muitas mortes violentas e tantas vezes silenciadas por profissionais. diz-se por aí que viggo mortensen, estará já bem colocado para o óscar. admito que sim. e admito que o filme também possa ganhar alguns prémios nessa mesma noite.

a trailer podem ver [aqui]. o filme podem ver em qualquer sala do país. e vale a pena. a crítica como deve de ser, no sítio do costume [cinerama].

os 47 dias do desterro (XII)

[515]

amigos destes eu sabia que não havia. eles eram meus amigos. até já percebia que aqueles momentos da vida de criança nunca voltariam. e eu aproveitava e de que maneira. quem me olhava de canto era o meu pai. ele via a minha mãe a remendar a roupa, ora eram as calças remendadas nos joelhos, ora eram as camisolas cozidas nos cotovelos, tudo em mestria suprema das fadadas mãos da minha santa.
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quando chegava a casa, e a minha mãe dizia-me para ir ajudar a dar os restos de comida aos porcos e eu desaparecia, como quem esquece a tarefa e o dever, e depois paga pelos erros. o meu irmão batia-me com uma ripa em madeira que tinha perto da porta. o meu pai já não dizia nada. delegou nos meus irmãos a responsabilidade de me educarem. até ao dia em que descobri que eles andavam a fumar às escondidas. desde esse dia que não mais me bateram. e o meu pai pensou que eu endireitei de vez.
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nos dias em que não íamos à escola, ficávamos a brincar ao pião. eu tinha um monstro, que o meu irmão gervásio me ajudou a fazer, que metia respeito. era um dos campeões. e eu, em sendo o rei dos piões, comecei a fazer sobressair o meu ego. andei com os meus dois compinchas lado a lado, a mostrar que éramos imbatíveis. e éramos. embora neste tempo as coisas fossem mais triviais, as lutas eram teóricas e simplórias, nunca a vingança pairava nos olhos de quem perdia, e nós éramos o que nunca mais seríamos.
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a rita foi a loira mais inocente que eu conheci. era a boneca feita de pele branca e rosada nas bochechas, de olhos pequenos e brilhantes, que escondia quando alguém olhava no fundo. a rita gostava do zé. e o zé nunca ganhava ao pião. ela andava com a joana nos dias em que jogávamos no campo junto à escola. o zé nunca ganhava ao pião. mas ficou com a rita. e eu até gostava da rita, mas nos meus olhos não havia rancor nem vontade de revanche. cada um era bom naquilo para que tinha nascido. e eu, que tinha rasgado a camisola mais uma vez, sentia-me aliviado porque o meu irmão não me ia bater quando chegasse a casa, porque tínhamos um segredo.
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eram os dias em que errar ao pião não interessava. mas ainda não sabia que errar, era ficar naquele lugar.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Solidariedade

Como já aqui referi, o site Super Braga está a levar a efeito uma acção de solidariedade, com o objectivo de ajudar os míudos do internato das Oficinas de S. José: " Campanha de Natal SB- "Vamos dar computadores aos putos das Oficinas de S. José".

Podem associar-se á iniciativa e enviar os vossos donativos para a seguinte conta:

NIB 003600859910004088177 Montepio Geral – Balcão da Sª- a- Branca - Braga
nº conta 085-10.004088-1 - Associação Braguista

Eu já contribui... o sorriso de uma criança vale tudo o que lhe possamos dar!!!!

os 47 dias do desterro (XI)

[513]

na semana seguinte à missa do galo o meu pai começou a ficar doente. um dia estava cansado e foi mais cedo para a cama. no dia seguinte estava com febre alta e já não saiu de tarde. no dia seguinte ardia em temperatura, delirou com uma dívida ao mercador e já não saiu sequer da cama. a minha mãe estava preocupada e queria chamar o médico. o meu pai vociferou que ia custar muito dinheiro, que não precisava de nada disso, que no dia seguinte ia estar pronto para trabalhar, e embora nem ele acreditasse nisso, a minha mãe esperou até ao final da tarde. ouvi-o a vomitar, com a força que lhe trazia do interior o nada. o nada que comera ao almoço e ao lanche, o pouco do pequeno almoço.
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eu estive a tratar das ervas daninhas. alguém tinha de o fazer. fui percorrer o campo, a horta, os animais tal qual o dono da casa, que se assumia nessa hora difícil. tentei acalmar a minha mãe, e dado que ele delirava cada vez mais sobre uma dívida que eu desconhecia, dei a minha primeira ordem em casa, vai chamar o médico. parecia que a voz abafada do meu pai, pela agonia e pelo sofrimento, saiu dele e entrou em mim, tal foi o estranho olhar que a minha mãe me deu. nem sei se ela orgulhosa de mim por assumir a situação, se por estranhar ver-me crescido de repente.
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quando o médico chegou e o analisou, rapidamente chegou a um consenso no diagnóstico. tinha contraído tuberculose. depois de ter auscultado o corpo do meu pai, já um pouco magro e com as suas peles enrugadas e brancas, ele disse que os remédios poderiam ser caros, até porque os teríamos de tomar todos lá em casa. disse-lhe que levaria o dinheiro no dia seguinte.
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andei a circular um pouco pela avenida com a ideia de pedir emprestado o dinheiro que faltava. pensei na minha tia, a julieta. ela não falava com o meu pai há mais de dez anos. ou era ele que não lhe falava a ela, mas isso nunca percebi. e sei que se lá fosse, ela nos emprestaria o dinheiro. e quando entrei na igreja para meditar um pouco na solução, o padre sentou-se ao pé de mim e disse, que problemas te trazem cá antónio? e eu respondi de forma fugaz, a fé. ele riu-se e disse-me que estava à minha espera com o dinheiro na sacristia. eu agradeci e prometi devolver o mais rápido possível.
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eu sei que um homem de cabeça erguida é um homem que saldas as suas dívidas. um homem que não erra. mas eu errei ao ter ficado nesta terra.

eis as minhas medidas e os meus pensamentos

[512]

experimentem [aqui]

via [luz acesa]
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depois das minha medidas os meus pensamentos,
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não ataquem por aí, que essa é a minha fortaleza mais resisitente. será que já não se fazem viriatos como deve de ser neste país?
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prometo que deixo escrito o que vocês precisam saber antes de morrer. espero que para vocês não seja tarde de mais.

Patetices da Bola

Pediram-me para falar de futebol. A mim! Que nada percebo dessa modalidade dos jogos gladiatórios dos coliseus romanos, em que um grupo de 11 escudeiros munidos com punhos fechados e botas de pitões aguçados agride outro grupo, com milhares de pessoas a assistirem e a vibrarem em cada pontapé bem dado … na cabeça do adversário.

Cheguei assistir a um desses jogos, juntamente com 2 amigos meus, o Zé e o Silva.
Constatei que o público tem uma participação que vai além da mera observação. A equipa que eles defendem ganha pontos por cada palavra feia que o público dirige ao juiz ou à equipa adversária (penso eu). Posso dizer que nesse jogo específico o público teve uma melhor performance que as equipas de escudeiros. E Infelizmente a equipa da nossa terra perdeu, porque o Silva, que ainda não tinha experiência neste jogo, chamou “pateta” ao juiz. Isso foi o suficiente para sermos expulsos do coliseu e dar a derrota à nossa equipa.
Aí percebemos que palavras abaixo de “tóninho” e “lambe côdeas” são expulsão certa.

Experimentem gritar “pateta” ao juiz.

Um conto de Natal

O dia de Natal estava à porta e o Pai Natal não tinha mãos a medir com tanto trabalho. Ainda por cima grande parte das empresas de brinquedos estava atrasada nas suas entregas.

"O Ken saiu para comprar tabaco, em Novembro, e ainda não voltou", "a Barbie, anda em tratamento por causa da anorexia", "o Action Man descobriu que tem um irmão gémeo e anda a negociar com a TVI a cedência dos direitos para uma telenovela" - diziam as empresas ao telefone sempre que um pedido era solicitado.

Por estes e outros motivos, o Natal estava atrasado e o Pai Natal corria o risco de não conseguir fazer todas as entregas atempadamente.

Quem levou na cabeça foram os ajudantes e as renas que aturaram o mau humor do velhote. Que o diga, Rudolfo, a rena macho de nariz vermelho, que ao jantar acabou por ser insultada ao pegar num naco de pão que estava mais próximo do Pai Natal, "Viado do car... pousa o fdp do pão! Já! Esse nariz vermelho não me engana, tu andas é sempre borrachão!"

Num desses dias, ao início da noite, um anjo que andava por ali decidiu tentar animar o Pai Natal levando-lhe um pinheirinho todo enfeitado.
- Pai Natal, Pai Natal, olha o que trouxe para ti... Onde é que queres que a ponha?

Desde esse dia instituiu-se a tradição de colocar um anjinho no topo da árvore de Natal.

Este conto foi adaptado a partir de uma anedota.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Bee Gees

Não é dos anos 80 mas tem obrigatoriamente de figurar nesta rubrica semanal de êxitos musicais dos 80's. é um clássico dos "late seventies", mas que de certo fez sucesso nos anos 80, 90, neste inicio de século, e depois deste post por mais 30 anos fará as nossas delicias. a essência que pretendo mostrar com os outros vídeos está aqui em elevado grau de azeiteirismo.

Estas figurinhas eu não peço a ninguém para representar, por isso podes estar descansado Fernando Pessoa e Zé Baptista, se bem que no Carnaval será um traje a equacionar.



P.s. A calma deles a passearem numa cidade que pareceu ter sido bombardeada é de realçar. já estou a ver 3 soldados aliados que acabaram de conquistar uma cidade alemã em ruínas a brincar ao esconde atrás das paredes e a surgirem com cara de parvos. cu cu!

P.s.2 o pormenor ao minuto 2.24 é delicioso

os 47 dias do desterro (X)

[507]

o antónio é assim desde que cresceu rápido. é assim desde que se apercebeu que o mundo é mundo duro de roer e de digerir. o antónio é o mistério encarnado na forma de ninguém. o seu misterioso hábito é o serviço de ser ele para ele e para mais ninguém. mesmo que mais ninguém o compreenda. mesmo que lhe chamem coveiro. mesmo que às vezes trocem do seu hábito..
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na primeira vez que cavou um buraco no seu quintal, vivia já sozinho. tal era a sua raiva acumulada que ao passar da porta de entrada para o quintal a enchada foi a primeira coisa que apanhou pela frente, e pegou nela ao mesmo tempo que via distorcida a realidade e as cores do dia. ao enterrar na terra a enchada, sentiu o alívio desanuviante do acto e quanto mais cavava mais se sentia livre do podre que havia acumulado nos dias de rancor. e cavava mais fundo até que parou, quando a altura do buraco já o cobria. espreitou em redor a verificar se nenhum vizinho o avistava e então largou no fundo o livro que acabava de ler.
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quase não conseguiu sair do buraco. elevou-se de modo a segurar com a força que tinha, já pouco do esforço e saltou cravando as botas em duas pequenas pedras salientes da terra. olhou uma vez mais o livro que acabara de ler e de odiar. de um só impulso empurrou toda a terra para cobrir o fundo. como no ida em que enterrara o seu pai. como no dia em que sentiu trair o seu progenitor, ao ajudar ao seu encarceramento final.
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depois de cobrir bem o buraco, e de ter sobrado terra suficiente para fazer um pequeno monte, sentou-se em cima a fumar um cigarro. sentiu as mãos quentes e doridas. sentiu-as palpitar teve de fazer um esforço para que o cigarro não caísse. sentiu nesse momento a leveza mais pesada dos últimos anos. e sentiu que podia fazer aquilo por muitos dias, na hora em que a raiva invadisse a sua casa sem a licença devida.
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naquelas horas de descanso pensava que o seu erro era ficar naquela terra, mesmo que por vezes aliviado.

Prémio de cinema

"Juventude em Marcha", de Pedro Costa, entre os melhores de 2007 para crítica de Los Angeles.
O que é nacional é bom!!!
Nem sempre, mas quando o é, devemos aplaudir!!!

os 47 dias do desterro (IX)

[506]

lembro-me de ser uma noite muito fria. quando saímos de perto do fogão de lenha, onde estivemos reunidos em família, sentimos o ar gelado a entrar nas gargantas, e comentamos entre os três que estávamos perante a noite mais fresca do ano. era assim que eu ia em sorriso, de um lado a minha mãe, do outro o meu pai, ambos com o braço dado a mim, lembrando os poucos dias em que o meu pai sorria para mim. quando eu era pequeno e ele me levava a passear, corria à minha frente e lembro da alegria que tinha em brincar comigo. esses dias já não eram. esses dia foram. esses dias desistiram de ser.
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nessa noite em que todos estivemos juntos de volta do bacalhau e das couves frescas que tirávamos da horta lá de casa, cada um estava no seu transe, cada um na sua interior arrumação, cada um foi em busca de sossego. eu estava animado de volta da pinhas que punha ao lume para que abrissem facilmente para que conseguisse retirar o pinhões, partir a casca grossa, descascar, provar alguns e deixar o resto para as sobremesas dos dias seguintes.
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o meu irmão estava a um canto a ler uma carta enorme que havia chegado há três dias. era uma carta da felícia antunes, a namorada que ele tinha e continuava a ter, mas agora ao longe. ela tinha emigrado para frança com os pais e eles ficaram assim separados pela distância da pobreza. eram muitos os que estavam a viajar para trabalhar.
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eu ia a gravar o último sorriso do meu pai. desde aquele dia de natal, naquela noite, em que caminhamos lado a lado, eu, ele a minha mãe, o sorriso, a promessa da missa do galo, o sonho de uma vida melhor. eu ia para beijar o menino. eu ia para beijar a esperança de que o meu irmão conseguisse arranjar dinheiro para ir viver com a felícia.
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nesses dias de frio eu gostava de viver naquela terra. e sabia que a esperança morreria no dia em que o erro fosse lá ficar.

Natal

Sou como os putos, adoro o Natal, e depois?

Gosto de andar na rua nos dias que antecedem esta quadra, gosto das músicas, sempre as mesmas, que por estes dias se ouvem em toda a parte, adoro árvores enfeitadas, luzes em todo o lado, noites frias com direito a lareira, jantares em família, jantares com amigos, doces natalícios, a fava, o bolo rei, a casa das bananas, as festas nas escolas e nas empresas, o acto de dizer "Bom Natal, se não nos virmos antes Boas Entradas"...

Gosto do Natal. Alguns dirão que o Natal é apenas mais uma quadra festiva, igual a tantas outras, onde impera o comercialismo. Sim, e depois? Quem vende também precisa de comer e de ter um Natal! Mas, o Natal é muito mais que um acto comercial, pelo menos para mim e para quem prefere vê-lo de outra forma. Para mim, Natal significa reencontro, família, amigos, tudo isto rodeado de um espírito indescritível, que... bom, não adianta tentar descrever esse espírito.

É simplesmente o Natal e eu... sou como os putos com o Natal!

Aquela cidade...

Hoje estou num país relativamente próximo da linha do equador.

De hoje a oito dias, provavelmente estarei num lugar frio, é possível que esteja a chover, sairei à rua e terei de aguentar a ponta das calças todas molhadas, o vento gelado, enfim... todas aquelas coisas que normalmente nos aborrecem no Inverno. Há practicamente um ano que não tenho essa sensação de invernia e sabem que mais?

Estou ansioso por esse momento. Estarei naquela cidade a que chamo casa (onde à noite as ruas cheiram ao doce crepitar das lareiras).

niguém escreve ao coronel

[503]

este fim-de-semana parei de ler o livro em desfolhada para poder ler a oferta simpática do [TONS DE AZUL].
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já tinha lido em tempos os livros "cem anos de solidão" e "amor em tempos de cólera" de gabriel garcía márquez, e desta vez li o livro "ninguém escreve ao coronel". é de facto uma história interessante, que parece tirada do mesmo espaço em que desenvolvem outras histórias do autor. este pequeno romance, cheira a ensaio, uma preparação para as grandes obras do autor que já referi atrás.
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queria agradecer a oferta e aconselhar a leitura a qualquer um que queira começar a ler garcía márquez. o coronel espera há 15 anos pela sua reforma e vai todas as sextas ao cais esperar pelo barco que trás a correspondência. o problema é que ninguém (ou quase ninguém) escreve ao coronel. e ainda tem de alimentar o galo lutador, tirando à sua própria boca. momentos hilariantes e outro de consternação com a tristeza dos resultados da guerra.

no natal o meu presente

[502]

directamente da rádio comercial eu vou receber (ah! que maravilha!) umas peúgas para o natal.
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e vocês que vão receber? façam [aqui] o teste.

domingo, 9 de dezembro de 2007

O melhor padrinho do mundo



Hoje levei a minha afilhada ao espectáculo da Carochinha, um concerto cheio de magia e alegria. As crianças pulavam, dançavam, cantavam e deliravam com as personagens. E os adultos não ficaram indiferentes.

No final a Bruna, depois de ter conseguido dar um beijo na "borboleta", deu-me um enorme abraço de disse: tu és o melhor padrinho do mundo!!!

P.S - também tenho a melhor mãe do mundo...

sábado, 8 de dezembro de 2007

os 47 dias do desterro (VIII)

[post 500]
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tem dias de azia tão intensa que parece que lhe vai sair das entranhas o aziomado mundo que se lhe acumulou de tristeza ao longo dos anos. ele encolhe-se de mansinho nos cobertores, tantas vezes húmidos do inverno, que sente entrar nos ossos o gelo da natureza, como um aviso de que a dor que sente nas articulações são resultado do duro enfrentar dos dias.
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quando subiu a escadaria que dava acesso à sua casa, espreitou os animais que vivem por baixo e tudo estava como sempre calmo, sentindo aproximar-se o fim da luz do dia. sacudiu os pés no tapete aspro e rude que se apresenta na porta de entrada, outrora azul, hoje quase palete de cor de tantas vezes usado por todos. as galochas da lida de campo são deixadas na entrada e quando calçava as socas de andar por casa, aninhando-se para as ajeitar, levantou a cabeça na direcção da cozinha e viu a sua mãe deitada na mesa, inerte, para, suspensa pelo escuro que a encobria. entrou a estranhar a fraqueza da mulher forte, de mansinho acendeu a vela do candelabro, e reparou na carta que a sua mãe tinha debaixo dos braços. o meu pai estava fora e eu comecei a ler a carta.
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foi nesse dia que a minha soube que o meu irmão mais velho, gervásio dornas, tinha finado ao serviço dos interesses militares. da estratégia dos grandes de lisboa, do senhor do poder, de quem não se poderia falar, nem reclamar, nem sussurrar. a minha mãe esteve em lágrimas o dia todo, desde que o vizinho a viera avisar de que tinham enviado a lista dos três nomes que seriam condecorados.
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ela olhou para mim e agarrou no meu braço. disse-me baixinho, tu não vais para a guerra. quando fizeres 18 anos e te quiserem levar, eu arranjo maneira de fugires. eu assenti com a cabeça. não tinha medo da guerra. eu queria até ir para a guerra. pelo menos até esse eu queria. o meu irmão chegará daqui a uma semana e eu estarei ao pé do meu pai para receber o seu corpo. O primeiro corpo que eu veria em vida. nesse dia eu não chorei.
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nesse dia eu senti começar a minha própria guerra. porque nesse dia eu sei que o meu erro seria ter ficado naquela terra.

a minha é melhor que a tua (II)

[499]

por razões comerciais ( este mês já por si vende muito) não se comemora como deveria ser o dia da mãe.
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para mim dia da mãe é hoje. e por isso comemoro o dia da minha mãe hoje. o dia da melhor mãe do mundo. o dia da mãe que é melhor que a vossa.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

os 47 dias do desterro (VII)

[498]

fumava um cigarro de manhã, um a meio da manhã e outro logo a seguir ao toque da saída para o almoço. o antónio trazia consigo a marmita com o resto da comida que preparava no jantar. nunca se sentava ao pé dos colegas. era de poucas conversas e depois do almoço ficava a admirar os autocarros a passar. esperava sempre pelo mais recente e bonito. um dia decidiu ir nele dar uma volta só para lhe sentir o cheiro a novo. prometeu a si mesmo que iria um dia ser dono de uma viagem à volta do mundo.
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quando parou de chorar, no quarto dia seguinte à morte do seu pai, teve o trabalho a dobrar para poupar a sua mãe aos discursos de lamentos dos vizinhos, dos conhecidos e familiares e também do homem da funerária. decidiu pegar no dinheiro que havia poupado durante uns tempos, que estava num falso do chão do seu quarto, e foi ao centro da cidade tratar da papelada e da burocracia para pagar todas as dívidas do velório. as flores, o caixão, a charreta, o padre, o padre? também o padre custa dinheiro? e seguiu para registar o óbito na conservatória e tratar da papelada para dividir a herança por todos os irmãos. não era muita coisa, mas sabia que poderia dar confusão.
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só no fim do dia passou pelo armazém onde trabalhava a dizer que regressaria no dia seguinte. e claro, ainda a tempo de se intolerar com as palmadas nas costas de uns quantos que nunca se interessaram por ele.
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quando chegou a casa, a vizinha saiu e disse-lhe que mais uma vez a sua mãe nada havia dito durante todo o dia. sentou-se ao pé dela e sem força para fazer absolutamente mais nada, deitou-se no seu regaço. encostou a cabeça e já não foi a tempo de ver uma lágrima que caía do rosto da velhota., enquanto lhe passou a mão no cabelo dele.
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nesses minutos suspirou pelo seu erro. suspirou por ter ficado naquela terra.

Um dia destes damos um concerto assim...

os 47 dias do desterro (VI)

[496]

às 5 da tarde o sinal sonoro da empresa toca bem alto e todos começam a dispersar. antónio pega no seu cartão de identificação, passa-o no sensor e sai para o balneário onde se sacode o melhor que pode. sai todos os dias à hora deste crepúsculo invernoso, à hora da descrença da luz, à hora que todos pensam em regressar a casa. mas ele não. sai para visitar a sua mãe e pelo caminho pensa no que aconteceu.
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quando o meu pai morreu, a sua mãe ficou muito ausente. ausente dele, do mundo e por vezes tinha a certeza de a ver ausente dela própria. fazia ainda as lidas da casa como sempre, com afinco e dedicação, mas deixara de cantar nessas tarefas, tantas vezes acompanhadas por melodias dos saudosos tempos de criança. ele via nela o estado puro de tristeza. quando acabava algum dos trabalhos, parava durante uns bons minutos a olhar em direcção a nada. dizia às vezes palavras sem nexo, que a faziam regressar ao estado normal, e seguia como se nada tivesse acontecido, nunca esperando por um comentário ou resposta minha.
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num dos dias de lida das vacas, em que deixava aberta a porta do curral, arejando o espaço dos animais e deixando entrar a pureza do ar rarefeito e pestilento, a minha mãe tinha-se sentado no nosso tanque num dos seus momentos de abstracção com o mundo. sei que no momento em que a vaca espirrou um jacto de leite enorme, com uma vontade a que eu nunca assistira, e em que os segundos se sustiveram no meu salto irreflectido, os animais entraram todos em uníssono numa gritaria ensurdecedora, e eu corri a acudir a minha mãe. ela estava com as pernas de fora, deitada de costas dentro do oceano que tinha tornado o tanque. só me lembro que ela não se debatia com aquela forma estranha de se deixar partir. não sofria ao ver que se aproximava o tempo da sua libertação. eu, com um braço só, agarrei em todo o seu corpo e tirei-a para fora da água. ela ficou inconsciente durante muito tempo. nem sei quanto tempo. o suficiente para ter ficado naquele estado permanente de desorientação e contemplação do infinito.
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visito-a todos os dias desde que ela foi para o lar, onde é tratada com todas as condições. vive numa cadeira de rodas e de olhar melancólico. vive em estado catatónico permanente. e eu, quando a visito sei que lhe levo mais tristeza ainda. eu sou para ela o que resta do meu pai. e eu sou para mim o que resta da minha mãe.
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nesses dias sei que o meu erro foi ter ficado nesta terra.

estava eu a pensar

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I - disse-lhe em tom de comiseração,
- sabe, em equipa que ganha não se mexe.
(bloqueou durante dois ou três segundos e disse,)
- pois, isso também é verdade.
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o problema é deles.
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II - pensei que se pudesse alterar alguma coisa na letra da música do jorge palma faria apenas isto,
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"sei que não (sei) sabes às vezes entender o (teu) meu olhar, mas quero-te bem..."

Novo espaço comercial

Ontem, assisti às gargalhadas, não que isto até deva ter muita graça, a uma reportagem num serviço noticioso acerca da cimeira UE/África, em que o jornalista, a respeito de vários cartazes espalhados pela capital chamando a atenção para o conflito armado no Darfur, perguntava aos transeuntes se sabiam o que era o Darfur.
Entre categóricos não sei, acho que é... talvez... não sei, nunca ouvi falar..., um entrevistado respondeu: Darfur... Darfur???... é um centro comercial! Não é? Daqueles que vendem roupa, mobílias e muitas coisas...
Não sei se havia de rir desta triste falta de informação, mas não aguentei... Valha-nos a " "Sta Ignorância"!!!

a volta na volta

[493]

"- Ai! - exclamou a raposa. - Ai que me vou pôr a chorar...- A culpa é tua - disse o principezinho. - Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quisseste que eu te prendesse a mim..." andré benjamim d' "O Principezinho"
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recordações dos dias da paz e do sossego e do chapéu de palha e ainda do avental lá da casa de amares, e dos duetos e trios bem regados,
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" Now the years are rolling by me, they are rockin' even me/I am older than I once was, and younger than I'll be, that's not unusual/No it isn't strange, after changes upon changes, we are more or less the same/After changes we are more or less the same."
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'The Boxer', Simon and Garfunkel
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do [vontade indómita].

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

os 47 dias do desterro (V)

[493]

tocava o sino da igreja às horas certas, e também às meias e também aos quartos. não sabemos é que horas são na realidade. antónio dornas está sentado no seu último monte de terra, o mais fresco, o que lhe suja as calças já delas sujas, o que deixa respirar as minhocas que saíram do fundo da terra. antónio respira fundo e levanta-se. foi passar as mãos pela levada de água que percorre o terreno do lado nascente que o pai lhe deixou. sacudiu-as ao vento. e respirou fundo com o ar de dever cumprido.
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antónio vive há três anos sozinho, e vive tentando. tentando viver. a solidão que sente, nem sempre o incomoda, nem sempre o oprime, nem sempre o afasta do real. e vai lendo os livros que tem. o vício começou à seis anos quando leu o primeiro e nesse romance alguém elogiava e exaltava o gosto por ser pai. não parece verosímil que um agricultor leia romances, mas antónio que sempre foi à escola, gostou tanto da tarefa, que a cumpre regularmente como que tapando os ricos de luz da candeia, apagando as sombras dos objectos da sala, apagando o arrastar dos dias.
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de manhã levanta-se reconfortado por palavras, e de manhã cumpre os seus dias desde o minuto inicial. vai para o seu emprego fixo há 4 anos. nunca gostou dessa rigidez e nunca gostou da sobranceria e falta de humanidade dos patrões. mas era o seu destino e precisava do dinheiro para ajudar às despesas que a sua mãe ainda lhe dá. e por ela luta nestas horas de desespero quando a raiva o assola. quando pisa o mesmo chão que a outros parece menos digno. e não reconhece isto como sendo um mundo seu.
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e nestas alturas tem a certeza que o seu erro foi ter ficado com este trabalho. e sabe que o seu erro foi ter ficado nesta terra.

os 47 dias do desterro (IV)

[491]

o dia em que o meu pai morreu foi um dia normal, corriqueiro e usual. demasiado riscado com pincelas de realidade e monotonia que o que aconteceu foi custoso. eu punha-me a pé, o meu pai a seguir, a minha mãe há muito que circulava no quintal. não era dia de banho (nem de visitar a viúva), nem dia de comer um pão bem adornado, nem dia de servir como jornaleiro o doutor. era assim um dia calmo e com muito que fazer em nossa casa.
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dividimos a tarefa de forma aleatória e sem registos ou conversas alongadas. disse-me o meu pai, tratas dos animais hoje que eu trato dos bardos. e assim foi para o resto do dia. saímos ao frio fresco e gelado constante e arrepiante da manhã para seguir o plano traçado.
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a minha mãe andava pela casa durante o dia a tratar das nossas roupas e limpezas gerais que a ocupava todos os dias. preparava-nos o almoço e depois de comermos e bebermos um café na esquina da avenida da casa do padre, íamos ao resto do trabalho.
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o dia em que o meu pai morreu foi um dia normal. ele estava na escada alta a podar as videiras altas. sem que eu visse nada disto, antes imaginasse uma queda das alturas, a minha mãe gritou a chamar o meu nome, o nome que ela me deu, antónio, antónio, antónio (dornas de apelido), e eu fui a correr pensando que ela se queimara mais uma vez na lareira, e deparo-me com o que nunca pensei ser o corpo do meu pai, deitado na erva já crescida e orvalhada. olhei-o e percebi que mesmo na queda poderia ter vivido mais uns anos, não fosse ter batido com a cabeça no esteio em granito que tinha desmoronado.
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a minha mãe chorava e eu não sabia que fazer. olhava para ela com o olhar de quem sabe que ela iria sofrer com aquela partida. deitada em lágrimas no peito do meu pai, o sangue ainda fresco da sua cabeça a descer sobre o granito, cerrei os punhos com a força que tinha na raiva. não sei se a chuva chegou de mansinho. mas eu comecei a chorar.
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foi nesse dia que eu não sabia ainda que o meu erro seria ficar naquela terra. foi nesse dia que a minha mãe ficou sozinha.

Vamos lá carimbar hoje o passaporte


O Braga joga hoje contra o Aris de Salónica, aquele que pode, caso vença, ser o jogo que permitirá ao Braga carimbar já o passaporte para os 1/16 avos da Taça Uefa.

Esperemos que o Braga não se "veja grego" e consiga trazer de lá uma vitória. Força Braga!!!

[489]

a cada dia que passa que leio um livro, ou quando chego ao fim dele, sinto que faltava sempre alguma palavra. de apreço a certas personagens, a certos gestos, a certas atitudes, a certos heroísmos. desta vez a palavra vai toda para o escritor.
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o livro de josé luís peixoto é um refresco da língua portuguesa. tem um arranjo e uma estruturação raras na literatura portuguesa e depois de lido dá a sensação que é um risco corrido e bem sucedido. ao arriscar escrever histórias entrecortadas umas nas outras, saltando espaços, tempos, e personagens de forma rápida e estonteante, provou que se podem escrever verdadeiros contos rápidos como quem anda numa jangada a descer o rio minho. desces e lá vais. já não podes parar. queres entrar na história e segues com alguns sobressaltos aqui e ali salpintados com retratos muitas vezes demasiado realistas, outras demasiado inverosímeis.

leiam e apreciem que vale a pena.

cinenimação

[488]

cinema animação com mais um convite arranjado à última hora para assitir à ante-estreia do filme "a bússula dourada".
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é uma história (uma ou três. segundo ouvi dizer haverá mais duas produções a seguir a esta) com traços de fabuloso, com pessoas que vivem acompanhadas por animais que são os seus demónios e que sem eles não vivem, uma ideia escondida de que coexistem muitos mundos unidos pela "poeira" que liga a vida de todos esses mundos. e depois o mal. a sociedade que rege o mundo dos humanos, que quer separar o elo de ligação que existe a esses mundos e que tudo fará para impedir que a sociedade perca o poder de governar o mundo.
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uma boa história com o usual recurso a mitos, como são o exemplo das bruxas boas e protectoras, e aos ursos polares amigos. [veja uma trailer]
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a seguir nas próximas sequelas.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O Golem Político

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Era uma vez um país, esse país não existia verdadeiramente, porque apesar de possuir uma história, um espírito e uma cultura própria vivia servilmente dependente de um outro país, maior e mais opulento, no entanto igualmente endividado e comprometido em relação a vários outros países ainda mais faustosos e colossais.
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Ora, esse pequeno pais debatia-se com um dilema, por um lado aceitar a sua diferença e ostentá-la com orgulho e com isso viver com horizontes civilacionais limitados, ou por outro lado aceitar um aparente dominio de ideias por parte de um Estado Central injusto, autocrático, centralista, unanimista e autista nas suas políticas e em contrapartida espraiar as suas ambições.
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Os habitantes do pequeno país, cientes da importância do progresso civilizacional, escolheram uma solução engenhosa, criaram uma espécie de Golem, ou seja um hábil e metamórfico lider granítico capaz de várias disposições, humores e personalidades, um sedutor sofístico com a virtude logocêntrica na arte de convencer.
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Nos primeiros anos da sua existência este prodígio da gestão diplomática, conseguiu refinar as suas artes manipulatórias, vergando pomposos lideres políticos ás suas vontades e caprichos sob o falso pretexto de uma inesgotável e preciosa lealdade. As sua complexidade adensou-se de tal forma que a sua verdadeira personalidade tornou-se esfíngica e misteriosa, desconcertando tudo e todos, com as sua imprevisiveis acções.
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O líder governou bem nos primeiros tempos e o seu povo agradeceu-lhe fielmente pelo progresso e desenvolvimento que trouxe ás suas vidas. Todos estavam felizes...
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No entanto, com o tempo o Golem tornou-se egoista e pervertido pelo poder, a sua mente intoxicou-se com delírios de grandeza e quimeras ditatorias, por isso, orquestrou uma forma de preservar egoisticamente o poder, outora concedido livremente pelo seu povo, no seu pequeno reino. O monstro "libertou-se dos seus grilhões" e encetou uma revisão do estado de coisas, destruiu a concorrência ideológica, sufocou a oposição, chantageou regimes e governos, manipulou o seu povo com promessas ilusórias e resplandescentes, mentiu, envergonhou, ameaçou, vexou, destruiu, comprometeu...
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Hoje a démarche política desse monstro político continua a basear-se em amordaçar o legítimo direito á diferença, por isso, não foi com grande surpresa que constatei que o gargantuesco político havia proposto o fim de toda a imprensa escrita oriunda de outros reinos, mais independentes e críticos que o seu.
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Não deixemos que a liberdade nos seja retirada por medo, ou por vãs ameaças.
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"A verdadeira liberdade é poder qualquer coisa sobre si."


(Montaigne)


Quem sabe o que significa Alfisina???



os 47 dias do desterro (III)

[485]

era nos dias em que se irritava mais. tinha de suar as estopinhas para chegar ao telhado e desentupir a saída do fumo do fogão de lenha. era normalmente nos dias em que a chuva caía forte, e tornava a tarefa ainda mais árdua. ele subia pela escada que não gostava, mas era a única que havia por perto. depois de descer do telhado, tirava a roupa e pousava em cima das beiradas do granito que povoava toda a cozinha. daquela maneira só mesmo a lenha toda a noite a crepitar, podia aquecer o ambiente e secar a roupa. despido em frente ao fogo forte que incendiava mais um canhoto, sentiu a necessidade de visitar a viúva.
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eram quase horas do jantar, quando ela abriu a porta e ele entrou. era assim entre eles. nunca mais do que duas palavras soltavam das cordas vocais, como que em acordo mútuo. sentiam que se falassem demais alguma coisa poderia correr mal. e assim era das vezes que ele visitava a senhora viúva. ele entrava, sentava-se, olhava o jantar e dizia se comia. por vezes, em não lhe agradando o repasto, comia apenas a sopa. e depois do café aquecido muitas vezes do que restava do almoço, eles ficavam parados a olhar os gatos passarem ou a ouvir os cães passearem-se entre as casotas arrastando as correntes na lama.
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depois de quase meia hora a pensarem, ele no telhado arranjado, ela no almoço que faria no dia seguinte, o relógio tocou umas oito badaladas. talvez oito ou talvez nove. demoramos muito a ver o que acontece que nos distraímos, e nem vemos as horas a passar. ela levanta-se como sempre e vai à casa de banho enxaguar-se por todo o corpo como ele gosta. deixa a água na bacia que ele irá usar uns minutos depois. quando ele entra no quarto, sem ver nada na escuridão, mas nunca tropeçando em nada, vê a imagem da cama na sua cabeça e de um só golpe levanta as mantas e sente o cheiro a lençóis lavados, como nunca sente em sua casa. deita-se ao lado da viúva que nunca se despe por ela, esperando que se cumpra o ritual. ele agarra-se a ela pelas costas e depois de um ou dois fugidios beijos no pescoço, desvia o algodão da viúva e vai descendo lentamente, com a sua mão direita, ao encontro do agasalho do falecido.
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cinco minutos chegam para que se lembre de que o seu crime foi ter ficado sozinho por esta terra, mas por vezes satisfeito. cinco minutos chegam para que a viúva se lembre de que o seu falecido marido nunca a beijava no pescoço.