"Do androids dream of electric sheep?
A pergunta coloca-nos perante um estranho enigma: o que faz do ser-humano, um ser-humano?
Em 1966, Phillip K. Dick escreveu um conto sobre os dilemas existenciais inerentes a um "caçador" de androides, Rick Deckard, inebriado por uma paixão avassaladora a um ser artificial, um replicante, que outrora jurara friamente perseguir e abater (ou "reformar" como nos é confidenciado pelo eufemismo na obra).
Em 1982, a mesma obra deu origem a um filme de culto de Ridley Scott (mais reconhecido pela mestria na transposição sinestésica do que propriamente pela coerência na estrutura narrativa, ou precisão histórico-realista). Havia nascido "Blade Runner" e com ele o retrato do amanhã nunca mais seria o mesmo.
O filme inicia-se com o plano alargado de uma vasta planície neo-industrial, povoada por milhares de arranha-céus, fábricas sujas, tubos retorcidos e torres capazes de ejacularem vastas proporções de fogo, denso e asfixiante. No centro dessa planície, povoada por uma infinitude de elementos caóticos, parece no entanto, despontar sinistramente uma centelha de ordem alienígena, dois edifícios que destacados pela sua imponência e autoridade faraónica desafiam as fornalhas do Hades. As duas piramides da empresa Tyrell asfixiam a atenção do espectador em toda a sua glória barroca e opolência, e logo no inicio, já estamos rendidos á visão profética dos seus fotogramas.
(Deckard sonha com unicórnios.)
No futuro, mais concretamente em Los Angeles de 2019, o mundo encaminha-se para "dias perigosos" de sobrepopulação, chuvas ácidas intermináveis, paranóia e solidão convenientemente acarinhados por uma ditadura da tecnologia. Rick Deckard (o seu nome é uma reminiscência propositada do filósofo dualista, Descartes) é um detective veterano, reformado precocemente pela brutalidade do seu trabalho em"reformar" "replicantes" da esfera terrestre.
(Deckard sonha com unicórnios.)
Os replicantes, são o progresso definitivo na ciência genética. Réplicas perfeitas do Homem, criadas pelo engenho das empresas Tyrell. No entanto, por serem tão perfeitos, fisica e intelectualmente, representam uma espécie de triunfo do Übermensch Nietzschiano, o próximo degrau na evolução. Assim os replicantes são como que centelhas mais brilhantes, que por serem mais cintilantes, brilham mais intensamente que as outras, no entanto, em todo o seu esplendor também se consomem mais rápido que as outras centelhas mais medíocres(os seres-humanos). A sua existência envergonha os seus criadores, pela sua excelência e superioridade, por isso a solução mais fácil é "reformá-los" da existência humana.
(Deckard continua a sonhar com unicórnios.)
Cinco replicantes de uma estirpe superior (Nexus 6) percorrem furtivamente as ruas de Los Angeles em busca de uma resposta para o supremo enigma existencial, esse enigma só pode ser revelado pela esfinge/Deus/Pai que é encarnada pela figura do Dr. Eldon Tyrell. O génio da genética e criador de vida artificial. No seu caminho existe apenas um obstáculo, o implacável detective Deckard (Harrison Ford, numa monumental performance em "under-acting") com o objectivo de exterminá-los.
(Deckard ainda sonha com unicórnios.)
Na eminência de exterminar o líder (Roy Batty) e último dos cinco andróides, Deckard descobre o verdadeiro sentido da palavra humanidade, porque o seu outrora antagonista transmuta-se numa espécie de neo-messias, que aceita pacificamente morrer, para que Deckard possa ser salvo do delírio do preconceito e da intolerância humana. Uma fagulha apaga-se finalmente....
(Deckard já não sonha com unicórnios e descobre que os seus sonhos não são verdadeiros, mas sim, implantes da empresa Tyrrel.)
As últimas palavras de Roy Batty- "Se vocês pudessem ver o que eu vi com estes olhos (...) e tudo isso se irá perder, como lágrimas na chuva! É tempo de morrer."
E a pergunta ainda se sustêm:
Os andróides sonham com cordeiros...mecânicos?
2 comentários:
eu para adormecer, conto carneiros..
mas tem de ser com uma técnica diferente. tens de contar os carneiros, imaginando um enorme campo cheio de animais. e começas a contá-los de maneira a perderes a ordem, perderes o início, perderes-te por entre eles, sempre a contar. até que quando deres por isso estás a dormir.
eu continuo a acreditar que o futuro será a máquina com a inteligência dos humanos. serem homens, com corpo de ferro e aço. até há quem defenda que essa forma de vida será a única maneira de podermos um ida sair da terra (quando estiver para ser destruida pelo consumo)...
eu para adormecer, basta estar acordado...
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