terça-feira, 30 de setembro de 2008

fímbria [4]

[1245]

um dia acordamos com um estranho na cama
.
e percebemos que
.
não foi impunemente que desperdiçamos um amor assim.

Simplesmente uma constatação de factos

1 - Existem determinadas pessoas que possuem internet.
2 - Essa colectividade de pessoas criou um blog.
3 - Como nos comuns blogues, colocam posts.
4 - Depois de uma pesquisa exaustiva, verifiquei que o último post colocado entre as 9h e as 12.30h foi no dia 10 de Julho.

fímbria [3]

[1243]

no fundo, nos dias de hoje
o amor não é mais
que uma partilha de
egoísmos.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

palimpsesto [2]

[1242]

quando me lembro do dia em que acordei diferente, fico de certa maneira irritado comigo. é um dia que deveria ser lembrado a espaços no momento necessário. não deveria ser invocado pela minha memória desnecessariamente. o certo é que o alerta reverbera nos meus ouvidos, quando alguém parece apagar esse ensinamento.
.
de tanto o recordar, um dia não haverá mais que uma história rasurada. e tudo o que sobra não será mais que uma vida nova.

eu o indústria e o bar deslize

[1241]
.
eu, vocês sabem quem sou. o indústria é o colaborador mais intermitente que temos nas nossas fileiras. o deslize bar é que talvez alguns não conheçam.
.
o deslize foi um bar que antes do 25 de abril era já um espaço onde se conspirava contra o regime. sempre por ali se cruzaram os movimentos e pessoas mais outsiders da sociedade. e em braga sempre existiram pessoas capazes de lutar pelos seus ideais. por ali passavam vozes anónimas. vozes que poucos tiveram visão de perceber a grandeza.
.
não falo das nossas vozes. o deslize para nós era um espaço de experiência. enquanto jovens, tinhamos o direito a ir à missa ao domingo e também tínhamos o direito de conviver com ateus e acérrimos críticos da igreja católica. tudo isto vem a propósito de uma conversa que tivemos (eu e o indústria) em tempos no deslize.
.
era um bêbado que estava lá a falar sozinho e, segundo o indústria, falamos com ele durante bastante tempo. lembra-se de comentarmos que para bêbado até falava bem. esse ilustre morreu com obra editada. foi o próprio herberto hélder que consegui que ele editasse os seus poemas na assírio e alvim. morreu atropelado por um condutor que fugiu, e ao que parece ninguém identificou. vivia no adro de uma capela. foi com espanto que recordei essa história porque não me lembrava dela.
.
privamos com o sebatião alba, que escreveu isto,
.

ninguém meu amor

Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos

se em milão vive o amor

Photobucket

sábado, 27 de setembro de 2008

sobre a poesia

[1239]

Jorge Luís Borges
.
“ […] preconizava o verso, porque impede que os espectadores esqueçam a irrealidade, que é condição da arte. […]”
Ficções, Colecção Mil Folhas, nº 39 – Jornal Público
.
.
.
Eduardo Lourenço
.
“[…] Para mim, a poesia não é essa espécie de canto ornamental da existência humana. Não. A poesia é aquilo que nos põe em contacto com qualquer coisa que até ali não víamos, não sentíamos. Passamos a ter outra visão, […] A grande poesia é aquela que, de repente, nos oferece um mundo, no qual a vivência deste se altera em cores e dimensões não sonhadas. É a criação de um outro mundo que se acrescenta ao nosso mundo visível. […]”
Revista Ler – Setembro de 2008.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

odorífero ramo de santonina

[1238]

acredito que há coisas que não precisam de demonstração prática para retirar delas o prazer que me dariam, se porventura os meus sentidos fossem postos à prova pelo contacto directo. é uma espécie de axioma que nem as tuas investidas pela criação de uma imagem repelente, me fazem quebrantar a certeza férrea no contrário; cito agora por conveniência da mensagem que te deixo.
.
hoje ensimesmei no teu sorriso. é dele que me despedirei no dia em que – cumprindo uma última tarefa que me sobra – direi com ternura, foi um prazer estar apaixonado por ti.
.
pelas mãos de um demiurgo profético terás um destino mais feliz que o meu, pois o teu perfume a santonina não deixa adivinhar outro desenlace.

intróito [10]

[1237]

dou por mim a começar – sempre este imperativo – a gostar de estar em casa, de calções, chinelos, em perfeita harmonia com as minhas máscaras de veneza, comendo um divinal gelado, hoje de morango, e começo a pensar que talvez não tenha sido o melhor momento para este namoro.
.
entre os dicionários abertos, a enciclopédia espalhada na cama, o eça triste por não o ler há dois dias, o rilke mais alegre por estar a ouvir as suas palavras a um jovem poeta, sinto a entrada do outono de mansinho. que venha pois esse tempo de mudança. espero pelo inverno e pelos dias em que terei de estar de robe vestido, deitado na cama, meias de lã e com o portátil à frente, escrevendo talvez o último trecho do registo do meu deslumbramento.
.
contando com este paragrafo, é a vida em três pequenos actos.

fímbria [2]

[1236]

se adivinhasse as cores do rosto
a que me sujeito inerte e em
todas as noites tocasse a
fímbria da pureza,

poderia aligeirar a sorte vã
o desfecho torpe e azedo
que se despedaça nas minhas mãos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

fímbria

[1235]

num conto notável em que, ao seu melhor estilo, jorge luís borges nos cria um ambiente surreal, misturando a realidade perceptível (viva e sensorial), com os sonhos mais difusos, um homem encontra-se, num banco de jardim, com ele próprio só que mais novo.
.
o mais novo pede informações sobre o futuro, sendo que a vida que o espera não tem nada de anormal.
.
também nós deveríamos pensar apenas em viver o que se adivinha na normalidade dos dias do futuro. é que até os desfechos a que apelidamos de desgraça, não fugirão a essa regra corriqueira da vidinha.
.
se bem que sonhar acordado ajudará a passar melhor o tempo nessa fímbria que separa o real do imaginado.

conto de fadas

um daqueles mails que recebi hoje e que quero partilhar

O MELHOR E MAIS PEQUENO CONTO DE FADAS DO MUNDO

"Era uma vez um rapaz que pediu uma linda rapariga em casamento:
- Tu queres casar comigo?
E ela respondeu:
- Não!!!
E o rapaz viveu feliz para sempre... foi à pesca, jogou futebol,
conheceu muitas outras miúdas, comeu-as todas, visitou muitos
lugares, estava sempre a sorrir e de bom humor, nunca lhe faltava
caroço, não discutia nem nunca brigava, bebia cerveja com os amigos
sempre que estava com vontade e ninguém mandava nele...
A rapariga teve celulite, varizes, engordou, os peitos caíram,
fodeu-se e ficou sozinha.... "

intróito [9]

[1233]

jorge luís borges, num conto magistral * todo ele carregado de fascinantes rasgos de genialidade (para não inventar mais adjectivos sobre a escrita do génio), fala sobre o pensamento de um condenado à morte, “a seguir reflectiu que a realidade não costuma coincidir com as previsões; com lógica perversa inferiu que prever um pormenor circunstancial é impedir que este suceda.”
.
compreendo agora tamanha descrença no futuro que vou escrevendo. é a esperança (na lógica pervertida de borges)
.
* o milagre secreto, pp. 131 - Ficções (Colecção Mil Folhas, nº 39 – Jornal Público)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

ignomínia

[1232]

dizem alguns de pensamento mais incauto
que à falta de uma realidade possível
tudo não passa de parlapatice.
.
isso, minha querida, são palavras de emulação.

scala de milão

Photobucket

Visconde

Libertaste o teu "espírito pessoalmente" e ganhaste o prémio Capitão Moura, por seres "justo, honesto, coerente e imparcial".
P.S - E também por devorar pinhas dos pinheiros como os esquilos.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

intróito [8]

[1229]

talvez devesse começar a esquecer o que nunca aconteceu. não é difícil tornarmo-nos reféns do sonho, da imaginação, da ideia que crias, do mundo que ao sonhares se enraíza em ti como se existisse. tantas vezes estivemos juntos num futuro próximo, que acho caminhamos para o fim do que não aconteceu. juntos, hipoteticamente falando.
.
é que nisso da ausência do real, a poesia ganha vida, já dizia jorge luís borges, e eu completo,
.
se eu te cantei em palavras "[...] é porque a desejei e não aconteceu. O poema ganha se não adivinhamos que é a manifestação de um anelo. Não a história de um facto. [...]"

palimpsesto

[1228]

rasurei o pergaminho
reescrevendo de novo o texto
.
só para que ninguém saiba, amanhã
o quanto te amei, hoje.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

intróito [7]

[1227]

há quem não comece com o medo do fim. quem por imperativo de um amor-escatológico, se torne na espera constante do nada. eu arrisco a dizer que talvez haja nos entretantos dos dias, a certeza de que o amor é um logro que me agrada aceitar de olhos de fechados.
.
.
Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
[...]
quero morrer
com uma overdose de beleza
.
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador

.
Al Berto

um fantasma sebastianista

[1226]

como que premonitoriamente, o fantasma vê-se cercado pelo destino que se cumpre. se adivinhar fosse profissão, o fantasma do scala estaria sorridente perante o trabalho que muito profissionalmente desempenha.
.
na verdade sobra ainda tempo para esperar, mais ainda perante certas visões que se têm entre o matinal nevoeiro, como que se uma palavra pudesse salvar toda a vontade imaginada. poderia entender o mundo de uma forma realista, mas estaria a ser humano demais para um fantasma.
.
entrego-me à guarida do dias que passam como leitos inundados lentamente. à espera.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

bloggers

[1225]
.

este senhor conheceu finalmente este senhor, daí que quem aventou a hipótese de serem a mesma pessoa, enganou-se. frente a frente e como deve ser, à mesa, com vinho e croquetes.
.
já este senhor, tem mais um sósia...

Show de bola


Magnífica a exibição do S. C. Braga, cheia de arte e com um resultado acima da media, nas provas europeias.
Porque não temos um Canal Braga com lugar na grelha da Meo, não foi possível assistirem ao fantástico jogo de futebol da única equipa Portuguesa em prova na Taça Uefa, a conseguir um resultado positivo.
P.S - Não temos um canal na Meo, mas temos o Meyong!

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

intróito [6]

[1223]

estar sentado em frente a este blog,
e não saber como começar a escrever,
.
é o mesmo que estar sentado em frente a ti,
e não saber como começar a explicar a coisa.
.
como em tudo na vida é só começar...

intróito [5]

[1222]

é preciso começar, como se fosse um passo no escuro, com a certeza de termos um chão que não vai faltar.
.
(quando acho piada a um título de post, espremo-o até ele não pingar mais peva nenhuma de interesse. com este de cima começo a pensar que chegou ao fim.)

intróito [4]

[1221]

fiz as contas e chego à conclusão que o melhor é mesmo começar. dê por onde der, quanto mais tempo demorar, pior se torna o cenário.
.
para ler 1001 livros até aos 50 anos, vou precisar de percorrer as páginas de pelo menos 40 livros por ano.
.
não sei se será mais difícil ler os 1001 livros, se chegar aos 50 anos...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Online Magic

Quem quiser experimentar.

1. Ir a Google.pt
2. Escolher imagens e pesquisar alguma coisa (no meu caso foi: Ana Malhoa (depois voltei a tentar com Ana Malhoa nua)) - depois fiquei 10 minutos a pensei porque é que eu me lembrei da Ana Malhoa. Sempre é melhor do que se me tivesse lembrado no Nuno Gomes.
3. Substituir o endereço que está na barra de endereços pelo texto que está no link abaixo.

copiar isto para a barra de endereços

Magia!

É preciso ter vaca...

Todos os gajos que aparecem neste video têm, pelo menos, uma piroca até à canela. As gajas não sei bem o que dizer mas devem ter piroca também. Esta cena devia ser para escrever pequenas descrições mas eu tenho a puta da mania que sou diferente!

O texto acima é que deveria ter sido a label original, mas não se pode ser diferente.

intróito [3]

[1218]

entre o real e o imaginário, vagueio - em tentativas não-invasivas da memória - procurando a definição para o sentir-isto. a conclusão - não-invasiva da verdade luzidia de platão - leva-me a acreditar que o fascínio surge de uma ideia que tenho de ti, e não um fascínio por ti (mulher-corpo-alma). não há nada de confuso nisto. é a distância que marca o limite. é o início do amor-tangível que marca a passagem. mas não é um fascínio mais débil por isso.
.
"[...] Alguma vez a mulher real que um homem tem ao seu lado pode competir com o estatuto «resplandecente» das mulheres que ele imaginou? [...]"
.

Sentimento e Razão

Hoje apetecia-me escrever sobre o casamento entre homosexuais!
Mas é melhor não!!!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

intróito [2]

[1216]

se escrever sobre a realidade fosse fácil, todos poderiam reescrever o passado.
.
até poderia reescrever sobre o fim de tarde na praia, insuportável com o vento forte, a areia a bater na pele, o sol que não aquecia, o mar ao longe levado pela maré baixa, os meus olhos que poderiam dizer ver os teus nessa praia, a tua mão que sem querer me tocou ao arrastar as toalhas para nos protegermos da intempérie, um barco pequeno ao longe que passeia sem os problemas dos que ficam em terra, a minha mão a tentar voltar encontrar a tua, pela força do acaso, os meus olhos e os teus, esta praia de novo a fugir do mar, e nós sem termos pedido licença a ninguém, juntos.
.
se escrever sobre a realidade fosse fácil, todos poderiam reescrever o passado. inclusive eu.

intróito

[1215]

dizem que sim. que começar é que é difícil. eu estou de acordo, depende sempre onde queremos chegar. acho que estamos condenamos a uma certa forma de pré-depressão na criatividade.
.
mas onde eu quero chegar não é a um mundo imaginário, com personagens que sofrem nas mãos do criador, dependentes da disposição do escritor. é, pelo contrário, um lugar onde os personagens são tão imprevisíveis, que o autor fica ele próprio manietado por temer dar destino fatal ao enredo, duvidando em permanência do que é real ou ilusório.
.
no fim de contas, a ficção pode ultrapassar a realidade, o difícil é começar.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

o estranho caso do que se esconde ou não queres mostrar

[1214]

bastam-me 5 minutos teus, e mais estes 5 minutos (desarmantes), para o meu dia voltar a ser um dia inteiro.

o estranho caso do que se escondeu durante anos

[1213]

carrego quase 700 páginas da mais pura prosa portuguesa. durante anos acreditei ser impossível ler este romance. apesar de já ter lido eça de queiroz, (o crime do padre amaro, e o primo basílio) achava que os maias seriam um tarefa difícil. esta obra foi uma das que tinha desistido na página 50 (a par do memorial do convento - esta também acabei por ler mais tarde) e permanecia como uma muralha intransponível.
.
por agora saboreio a escrita, depois tratarei de tornar o eça num dos escritores dos quais poderei dizer que li a obra toda. se souberam quem edita a obra completa do eça, agradeço que me deixem na caixa dos comentários.

o estranho caso do que se esconde

[1212]

é nas alturas em que tenho a sensação de poder esrever um grande post, que me recuso a fazê-lo. não, isto não é escrever bem, nem mal. isto é escrever sem sentido prático ou fundamento ético.

domingo, 14 de setembro de 2008

a insigne poesia dos limas [4]

[1211]

IV
.
hoje acordei com a casa cheia
de crianças. que me chegava
ao teu corpo e o teu ventre
era de novo dilatado de esperança.
acordei.
hoje acordei ao pé de nós, de novo
com o barulho dos teus sonhos,
como se crianças habitassem
a nossa cama.
acordei.
hoje acordei e voltei a pensar no
teu amor desperdiçado nesta casa
vazia de nós.
por fim acordamos de novo alegres e sós.
.
.
(a insigne residência dos limas [1], [2], [3], [4])
(a insigne poesia dos limas
[1], [2], [3])

sábado, 13 de setembro de 2008

a insigne residência dos limas [4]

[1210]

IV

certos domingos são penosos para ele. o nosso ilustre residente desta terra, sabe que os sorrisos da mulher ao brincar com as crianças, são um pouco paliativos. hoje não podem ter filhos, e por isso a dor que ela foi amenizando com o tempo, não deixou de se transferir para ele. ele pressente que nos dias em que regressam da missa na capela da aldeia, o silêncio que se tomba sobre os lábios dela, nada é mais que um toque do passado, que ressoa no seu espírito como os sinos da torre anunciando as horas.
.
os afazeres semanais são colmatados com algum trabalho comunitário. lúcia e antónio lima, nasceram com a vontade de mudar o mundo de fora para dentro, tantas vezes tentando cortar com as mentalidades ultrapassadas. a educação das crianças era muitas vezes esquecida e este casal preferia dedicar-se a refinar o gosto das crianças pela natureza, pela arte, pela música e pela literatura. era para os limas a única e admitida forma de curar a maleita dos corpos, que secos, jamais conseguiriam dar ao mundo um rebento com o apelido lima.
.
(tantas vezes a tristeza se apodera de lúcia de tal maneira, que o seu olhar se perde do mundo em todas as pequenas estrelas da noite)
.
é nesses dias que se dedica com mais afinco a procurar a novidade, mesmo que ao fim de tantos anos lhe pareça mais difícil surpreender a esposa. corre lugares em busca de livros fabulosos e raros. calcorreia ruas e lojas soturnas, escondidas em becos, procurando saber dos objectos que possam fazer saltar o coração ou de novo cintilar os olhos da mulher que ama. hoje decidiu-se por um girassol, tal como os que tem no jardim, um girassol de cor silvestre e aguerrida, algo tão sul americano que talvez a possa alegrar pelo lado carnavalesco. acompanhou-o por uma passagem de eça de queirós, transcrita à mão num papel perfumado e delicado, uma fraqueza que sabia à partida tornar lúcia lima num adocicado principio de noite de primavera.
.
não era surpresa. ela sabia que quando chegava e os vitrais do lado nascente irradiavam uma luz tremeluzente, era sinal de que a mesa estaria composta de todos os apetrechos romanescos, e as velas ardendo no castiçal do centro seriam o desfazer da dúvida. era mulher de amor controlado, profundo é certo, mas quase sempre calmo e profundamente tranquilo. mas o esforço de quem amava incondicionalmente, deixava-a perdida num lago emocional, numa estreita confluência de prazer e estímulo, que desaguava desmedidamente no seu peito sem poder controlar. e assim, disfarçando o espanto, descerrava o pano do palco, e emocionadamente entregava toda a sua alma naquele cristal polido.
.
o sonho acordava na manhã seguinte entre os ponteiros dos relógios e os sorrisos carregados de indisfarçável satisfação de ver crescer o rebento do amor, como um filho legítimo.
.
.
(a insigne residência dos limas [1], [2], [3])
(a insigne poesia dos limas [1], [2], [3])

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

a insigne poesia dos limas [3]

[1208]

III

a infinita amargura desprende-se no vento
arrastada pela folha da oliveira. o corpo
suspenso, amarrado ao passado, extirpando
o medo e a vergonha de falhar o presente.

a infinita amargura, despida na aragem
pesando como um fim cumprido ao relento,
sustenta a promessa da vida decepada, na
vinha,
sem as folhagens de setembro

a infinita amargura, de quem enlouquece,
é um tronco
de um homem como fruto nascido
de um tronco
da oliveira em pomo no fim do outono.
.
.
(a insigne residência dos limas [1], [2], [3])
(a insigne poesia dos limas
[1], [2])

a insigne residência dos limas [3]

[1207]



episódios da vida rural

III


(…)
a vida de uma casa, mesmo que perdida entre uma imensa paisagem, tem sempre escrita uma página a negro no seu livro de registo. na história desta insigne residência que temos vindo a relatar com o suposto rigor realista de observador, há um episódio que relutantemente vamos revelar. não há nada que possa alterar o passado, seja de uma pessoa, de uma vida, de uma casa, ou mesmo de um santo. contar o que se passou nesta casa há quase sessenta anos atrás, não é senão uma inconfidência que desonra a confiança de que se apoderou o narrador do texto. não há no entanto certeza de que não possa fazer falta ao enredo.
(…)


nos pequenos caminhos que aqui desaguavam nas portadas desta casa, havia sempre um empecilho que impedia o seu dono de transportar a carroça sem ser necessário parar para o resolver. uns dias, pedras de um muro que caíam, noutros uma cobra que atiçava o jumento, e nalguns casos era o padre que se enamorava a uma raza de milho ou feijão. isto é um país de maltrapilhos do alheio, comer e beber sem trabalhar corria no sangue de muita gente.
(o nome do nosso agricultor, de nada importa, nem que sirva para o deixar a salvo de críticas. o seu trabalho de uma vida merece que a tragédia seja revelada pelas palavras mortiças de quem não esteve lá, e, na verdade, pouco mais sabe que a lenda.)


a vida deste desgraçado sacrificado termina num dia de sol arrasador. era um dos dias em que a mulher necessitava recolher água num poço perto de casa. empenhado noutras tarefas, o nosso obstinado trabalhador, nem teve tempo de respirar para tentar salvar o seu filho que caíra, sem salvação possível, das mãos da sua mulher. do fundo do poço saiu um cadáver. ou nem isso. um corpo de uma criança é um pedaço de céu azul, uma lágrima arrancada a um duro homem da terra.


não que esta casa esteja talhada ao azar. mas passados dias - podemos ver ainda baloiçando na oliveira – o corpo do enforcado. o corpo de quem dizima a alma ao mundo estratega e ceifeiro. a mulher enlouqueceu e foi internada numa casa de saúde o resto dos dias. a igreja seria a proprietária durante vários anos, até ser vendida umas quantas vezes até chegar aos ilustres limas.

(…)
o casal está à sombra daquela oliveira neste dia estival. saboreiam a sobremesa de frutos colhidos nos campos. saboreiam a vida. saboreiam tudo o que têm e que um dia faltou nesta terra, nesta casa, debaixo desta mesma oliveira. sabem que para viver em harmonia com a vida, precisam apreciar o silêncio dos dias mesmo que os espaços nos guardem segredos. e os limas sabem fazer isto como ninguém.
(…)

(a insigne residência dos limas [1], [2])

(a insigne poesia dos limas [1], [2])

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

a insigne poesia dos limas [2]

[1206]

beija-lhe na testa a poesia
que se acumulou pelos anos,
aquela que se verga nos riscos marcados
na pele suave.
beija-lhe a testa.
.
beija-lhe o cheiro do cabelo
que se entranhou na memória,
o cheiro que de olhos fechados semeia passados
na pele, no cabelo
beija-lhe a testa.
.
beija-lhe o implícito contrato
que se assinou com olhos postos no horizonte,
num destino bordado a ponto cruz
em tela, no cabelo, na pele.
beija-lhe a testa.
.
.
.
(a insigne residência dos limas [1], [2])
(a insigne poesia dos limas [1])

terça-feira, 9 de setembro de 2008

o apocalipse dos trabalhadores

[1205]



quem ler esta obra não passará a conhecer bragança, nem mais pormenores do interior de portugal, dos que não sejam já sobejamente conhecidos, mas poderá contudo provar um sabor mais requintado e eloquente desta gente, “porque isto aqui não é nada […] não vai ser terra de negócio para ninguém. vai ser um campo vazio a arder no verão e a congelar no inverno, e quem cá viver será só vítima de um dia atrás do outro e nada mais.” (pp. 180)

o enredo centra-se mais na vida difícil dos que sem empregos estáveis, e dos que com trabalho muito precário e muito mal pago, levam uma vida de desenrasque constante. a maria da graça, personagem principal , leva uma vida de mulher-a-dias, na casa de um rico senhor ferreira, que paga um ordenado miserável. certo é que o homem passa o dia em casa e em variadas ocasiões o sexo entre os dois é tema mais que estranho, dada a inconstância da reacção de maria da graça, ora consente o acto, ora se recrimina pela traição ao marido augusto que vive em alto mar.

a quitéria, segunda mulher-a-dias, é também peculiar pela idade avançada e por ser descrita como mulher desembaraçada no que toca a amantes. o andriy, seu novo namorado, é o personagem romeno que completa o cenário, entrelaçando a difícil vida dos romenos com a sua imigração em busca de um país que os fará ricos, com a realidade transmontana. as dificuldades levam à conclusão que “o melhor era beber a cada noite o suficiente para deixar de pensar nisso. não pensas, não falas, não queres falar […] é importante perder a lucidez para não existir a necessidade de se ser compreendido, […] viu-se como um competente administrador das suas penas, pondo-lhes fim, uma a uma, com força de ferro.” (pp. 55)

há dois aspectos de salientar na construção do cenário, um deles ressalta à vista por descrever de forma muito kafkiana (na vertente metamorfose), a forma como o pai do senhor ferreira se arrasta pelo chão como uma tartaruga – depois de uma queda que o paralisou – realçando o pormenor estético duro da imagem transmitida. o segundo aspecto é a constante descrição dos sonhos de maria da graça tentando entrar no céu, que apesar de peculiar, dá-nos uma visão dantesca do que poderemos chamar purgatório.

o refinar da qualidade do sarcasmo e principalmente da ironia, mostra que neste livro houve um esforço em tentar pintar de uma forma mais leve os cenários da vida difícil que os personagens são obrigados a enfrentar, sobressaindo principalmente na descrição dos velórios em que as duas mulheres vão ganhar dinheiro fazendo de carpideiras. há certos momentos hilariantes em que ao imperar o medo o autor alivia o suspense pela conversa das duas amigas “chiu. ouviste. não. pareceu-me ouvir qualquer coisa. quem dera seja um homem e nos viole. cala-te és tão estúpida. e tu pior, que te apaixonas pelo estupor de um velho que te come com um dedo mindimo e cheira mal.” (pp.33)

parece diferir em muito da forma como foi construído “o remorso de baltasar serapião”(2006) e “o nosso reino” (2004), estes sim muito próximos nos cenários um pouco carregados do fabuloso e do imaginário. neste caso a vida acontece tal como ela é, onde sobressai a permanente luta entre o que se pode compreender ser o amor, e o que se vive na prática. há sempre presente a ideia de que os personagens são românticos e sonhadores, aspirando a uma vida amorosa perfeita, contrastando com os seus inconsequentes actos dominados pela vontade sexual. atente-se nas duas citações seguintes: “encheu o peito de tanta coisa que poderia ter respondido de mil maneiras, boas ou más, tão diferentes e todas tão importantes. parou os olhos no ar expectante do desconhecido e respondeu, não me interessa o amor, isso é coisa de gente desocupada que não tem o que fazer.” (pp.29) desdenha-se o amor, para logo a seguir comprar esta imagem, “pois, coitada, morrer de amor á espera. isso de esperar é que me dói. morrer de amor tem de ser no acto, isso, sim, é morrer de felicidade. agora morrer à espera é do pior.” (pp.34)

gosto também de realçar a forma muito pessoal de encarar a religião do autor, porque em muitos aspectos parece um católico, que não sendo ateu, nem propriamente um agnóstico, delimita a força de chegar a deus ao homem e à sua vontade própria de se comunicar com ele, “é o que devia ser uma religião, apenas isso, uma profunda e tão intuitiva paixão pela vida.” (pp. 59)

todo o resto da obra saltita entre vários cenários - com a facilidade típica do autor em relacionar espaços sem cortes bruscos - e os pensamentos interiores dos personagens, tantas vezes levando a uma quase cerimónia esgotante dos limites do bom senso e da força dos actores, não sendo de estranhar assim o desfecho do livro, “mas as coisas pareciam destruir-se, a partir da sua cabeça, sem dúvida, como se entrasse inevitavelmente numa depressão. como se fosse entrando, vendo a boca dentada da depressão, e não conseguisse recuar, alegrar, enfim, o seu espírito.” (pp. 127)
.
a luta está ali, os dois gumes da faca em contenda, como se a esperança revivesse no suor da amargura “quando bebeu o primeiro gole de vinho julgou que a vida, se fosse justa, poderia ser feita daquilo e de mais nada. ao inventar as coisas, quem inventara, deveria ter-se ficado por aquilo, um vinho, uma amizade sincera, o calor magnífico do fim da tarde, a paisagem mais bela de todas. era tão fácil inventar só aquilo e só com aquilo garantir com segurança que a todas as pessoas do mundo inteiro seriam felizes.” (pp.146)
.
percebemos que o futuro pode sempre ser melhor e conceder-nos um espaço mais preenchido das coisas que escrevemos serem boas. “um dia o futuro vai estar sobrelotado, e não vai haver ninguém para saber da minha história, se trabalhei ou roubei, se amei ou odiei, e eu não quero ser rigorosamente nada senão uma réstia de felicidade” (pp.177) e haverá algo mais importante na vida?

.
o apocalipse dos trabalhadores [8/10]
valter hugo mãe, quidnovi - 2008

APRESENTAÇÃO NA FNAC BRAGA - QUARTA-FEIRA, 10 de SETEMBRO

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Que rico dia de praia!

17H a tarde ficava cinzenta, gaivotas na terra, tempestade no mar!
Mas havia camarões no congelador! Que se lixe a praia!!!

florentino ariza não morreu de amor [10]

[1203]

os sinos dobram-se ao ritmo da passagem do cortejo fúnebre. dobram-se em sinal de respeito, como que ao tocarem anunciassem o fim de uma história. talvez seja o fim desta história, talvez até o fim daquela vida, não o fim do mundo como o conhecemos. os dias continuarão a passar ao ritmo que se arrancam as folhas do calendário, as correrias desembaraçadas acontecerão na formalidade dos ponteiros do relógio tal e qual o envelhecer das pedras e dos montes será cadenciado pelo ritmo do nascer e pôr-do-sol.
.
mas por quem os sinos dobram? perguntavam alguns distraídos que se encostam na esquina da praça, ouvindo o estridente ribombar dos cones do alto da torre da sé. era por fermina. a nossa resistente estava vestida de negro, com a tez da pele mais branca, e com um ar de alívio. parecia que seguia sem mácula por deixar este mundo, como que aproveitando para se despedir das ruas, dos espaços, dos jardins e de alguns amigos mais próximos. a autoridade local estava toda presente, e o cortejo decorre com a lassidão da tristeza que a notícia entranhou nos rostos anónimos que se despedem num último adeus.
.
(na noite do dia anterior à sua morte, fermina pediu a última carta que estava na caixa. pediu que a deixassem sozinha no quarto para que enfim compreendesse o desejo de florentino ao guardar estas cartas. abriu muito ao de leve, com as mãos trémulas o envelope todo ele digno de comunicado oficial,
.
minha madre-pérola,
.
tu que nasceste para alegria dos olhos, de um mar tenacioso, e que hoje brilhas de intensidade matizada, deixa-me escrever esta última carta no dia em que te reencontro nos meus braços. não há nada mais importante que passar o resto dos meus parcos dias, jazendo nos teus braços com as minhas últimas forças. se tudo isto fosse a felicidade inteira, eu teria vivido por ela nem que fosse por um só dia.
.
deixo esta carta primada de anúncio para que saibas que no dia em que a leres já terei partido. no céu dos mortais apaixonados aguardo de novo pela vida suprema ao teu lado. agora desfilo no teu corpo o meu contentamento.
.
dá-me o teu corpo e o teu coração.
.
espero-te,
.
florentino ariza.
.
com a visão afunilada nas letras que se distorcem na folha, vai deixando de perceber o que fazem duas mulheres no quarto, as mesmas do sonho, as mesmas da mensagem, as mesmas que lhe sorriem e a amparam na entrada das portas suspensas sobre o rio.)
.
um remoinho de folhas na entrada do cemitério, circulando em força formando um sorvedouro de almas, é o anúncio da vida que se senta à espera de nova oportunidade. é a certeza da natureza viva, o conluio entre vento e folhas, a conspiração de deus e das árvores para determinar o fim das lágrimas.
.
na lápide de mármore cinza, inscreveu-se o poema preferido de fermina e florentino. foi o desejo de ambos serem sepultados lado a lado com as palavras do poeta, determinando a quem passasse o feliz acto de existir e de amar.
.
Amo-te como a planta que não floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.

Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te diretamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,

a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono.


pablo neruda
.
nada na rua espera pelo nascer do dia, as flores do jardim fuente del amor brilham em loiro crescente do sol que se adivinha na manhã.
.
FIM

lost in translation [5]

[1202]

não é apaixonado,
(isso era extemporâneo)
mas antes fascinado.
.
a diferença entre um e outro estado
está apenas à distância de um beijo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Coisas que havemos de cantar no karaoke

Esta música lembra-me a infância e altifalantes na igreja. Não me perguntem porquê... mas lembra-me.

Passear Contigo - Broa de Mel

p.s.-Se não se importarem eu gostava de fazer a parte do "turururururu ru".

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

lost in translation [4]

[1200]

ainda serei capaz de descobrir uma
teoria
que contradiga esse teu existencialismo-pragmático,
.
não sei é se não será tarde.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

florentino ariza não morreu de amor [9]

[1199]

florentino ariza não morreu de amor. morreu a dormir num dia de calma subida do rio

não sobra nos olhos de quem passa a certeza de verem algo novo. a manifestação de rara beleza não espanta quem, ano após ano, se senta a deliciar o filme em movimento. as plantas abrem-se. mostram o peito e os filamentos coroados de pólen, devotando a sua vida aos que com sorte conseguem assistir a este espectáculo. no fim a flor morre. contudo, durante vinte e quatro horas é uma dança assinalável de cores vivas que renascem para uma curta vida. é assim no jardim funte del amor, um assinalável pulmão encastrado entre a cidade e inóspita planície de este, e com a floresta titânica como pano de fundo.
.
esta cidade já cresceu muito para além dos muros mais antigos da cidade original. os muros foram o suporte de uma guerra duradoura, servindo para proteger quem sempre viveu deste ar. fermina ainda se lembra do dia em que chegou a esta cidade vinda no barco comercial. percorreu durante semanas as muralhas, procurou todos os caminhos sinalizados que a levassem aos recantos mais bucólicos do aglomerado. fermina já não é uma criança outrora irreverente e de instintos coligidos pela idade adolescente.
os seus olhos estão há dois dias fechados.
.
(tudo se passa na réstia de memória que subsiste de uma vida coroada com uma verdade invisível, o seu coração pertenceu a dois homens. em sonhos, ou no pequeno espaço onde ela se escondeu do mundo, dentro do seu labiríntico cérebro, senta-se no jardim que tantas vezes aprendeu a sentir deste modo, de olhos cerrados ao mundo. vai sorrindo aos que por lá passeiam sentindo a estranha sensação de leveza desmaterializada, como se apenas o coração resistisse ao lento definhar do seu corpo. sorri aos rostos indizíveis, aos homens de olhar absorto, às mulheres de inquebrável cara abstracta. são seres perdidos deste mundo)
.
no quarto do hospital, um dos filhos entra devagar procurando o silêncio no arrastar dos pés, para que nada incomode o resvalar de pétalas que transporta nas mãos. as brancas flores que arrancou do jardim, mesmo decepadas do seu alimento vivo, conseguem mutilar o ar triste, iluminando o corpo de fermina, que estendido se alvora em branco radiante.
.
ao canto, em cima da mesa, está uma caixa de madeira que sabemos ser depositária fiel de cartas escritas em espaços esquecidos, nas mesas do café juanes, nos dias agoniantes de florentino, nas manhãs cinzentas e nos orvalhados bancos do jardim. ninguém se atreve a abrir a caixa. é uma tácita ordem nunca dita por fermina, mas que todos sabem ser necessário seguir. hoje ninguém poderá ler uma carta a fermina porque ela dorme.
.
(sentada naquele jardim sonhado, que se parece demasiado com uma realidade distante, sente aproximar-se a cotovia que a observa atentamente com os patas enterradas no rio, sente um rouxinol pousar no banco em frente soletrando um canto estrídulo, sente o aproximar de duas mulheres serenas, e estranhamente não se atemoriza perante o papel que uma delas lhe entrega,
.
amo-te para o meu sempre fermina,
amo-te pelo dia em que imiscuí no teu destino
amo-te porque sem palavras memorizei o teu ser-todo-perfeito.
morrerei no dia em que te tiver nos meus braços.
.
florentino ariza
.
nada à sua volta respira de tão estática é a imagem. nada se percebe de tão desfocado se vai tornando aquele sonho. ela recompõe o seu robe e abrindo os olhos)
.
suspira dentro de um quarto de hospital.
.
.
deixemo-la viver os últimos dias.

Sem grande jeito

E se de repente uma mulher se oferecer para cozinhar?

Isso é o quê?

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

lost in translation [3]

[1197]

sabes,
.
tenho em manuscrito a mais linda carta de amor
que alguma vez fui capaz de escrever.
tenho estado a ultimar os pormenores
a reescrever a parte em que te ofereço
a lua-quase-cheia
as chamadas noites brancas,
a fada e o fauno em uníssono canto
prometendo o meu quase-amor-infinito ao teu destino.
.
sabes,
.
tenho entre mãos umas quantas folhas salpicadas de tinta
porque me tremia a mão ao imaginar-te
sentada a ler esta imaginada-missiva levada
por um pombo correio
embora me falte corrigir o erro essencial.
.
sabes,
.
contenho-me sabiamente perante a demanda do graal,
como se o chegar perto de ti não fosse o objectivo
mas antes conseguir tocar o teu coração.
se fecheres os olhos ao ler-me escrito nesta alegoria
verás um cósmico futuro
carregado de um semblante azul-celeste.
.
(agora, se não te importas
quando passares por aqui,
deixa-me a tua morada, para a poder enviar)

caracteres sem som [11]

[1196]

And now, the end is near;
And so I face the final curtain.
My friend, Ill say it clear,
Ill state my case, of which Im certain.

Ive lived a life thats full.
Ive traveled each and evry highway;
And more, much more than this,
I did it my way.

Regrets, Ive had a few;
But then again, too few to mention.
I did what I had to do
And saw it through without exemption.

I planned each charted course;
Each careful step along the byway,
But more, much more than this,
I did it my way.

Yes, there were times, Im sure you knew
When I bit off more than I could chew.
But through it all, when there was doubt,
I ate it up and spit it out.
I faced it all and I stood tall;
And did it my way.

Ive loved, Ive laughed and cried.
Ive had my fill; my share of losing.
And now, as tears subside,
I find it all so amusing.

To think I did all that;
And may I say - not in a shy way,
No, oh no not me,
I did it my way.

For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught.
To say the things he truly feels;
And not the words of one who kneels.
The record shows I took the blows -
And did it my way!

.
frank sinatra