quarta-feira, 11 de março de 2009

"O super-homem existe, e é americano!"



Terry Gillliam (rei de infames delirios visuais e cúmplice dos sagrados Monty python) disse vencido, sobre Watchmen, "o filme é infilmável!"


Para os desconhecidos da novela gráfica (nome pomposo dado a bandas de desenhas de autor e com conteúdo mais adulto) em questão, Watchmen é definida comummente como o Citizen Kane dos Comics americanos.





Esta reverência para com uma obra (que a revista Time colocou inclusive, entre as 100 obras de ficção mais relevantes do séc.XX) escrita num meio de comunicação (injustamente) considerado menor, confirma-se pelas inúmeras referências contidas na obra (resultantes da obsessão literária do seu autor, o enigmático Alan Moore) que a elevaram a um patamar estilístico e temático mais arrojado, mais adulto, mais inteligente e consequentemente mais elegante e sofisticado!



Watchmen, é uma história sobre a seguinte premissa "e se os super-heróis existissem?". O que se segue, numa descrição portentosa de doze capitulos (no livro) e aproximadamente três horas (no filme) é uma mordaz desconstrução do mito efabulado dos super-heróis.



Os super-heróis de Watchmen não têm super-poderes (com a excepção do Dr. Manhattan, apelidado desta forma, por encerrar dentro de si um perigo superior ao da bomba atómica) são descuidados (o homem-traça fica com a sua capa presa numa porta e é impiedosamente baleado) mentalmente insanos ou esquizofrénicos (Rorschach é um vigilante com uma personalidade dúbia, afectado por uma infância traumatizada pelo abuso físico e emocional da própria mãe, sublimando essa mesma fragilidade, partindo dedos e abatendo impiedosamente toda a escória humana) moralmente descomprometidos (Eddie Blake, o comediante, confessa no estertor da morte ter assassinado crianças e mulheres de formas horríveis!). Mas qual o papel reservado na sociedade civilizada a um conjunto de tipos que se vestem de collants apertados e se designam por nomes de guerra ridiculos?






A acção da história passa-se nuns anos oitenta alternativos, em que Nixon se prepara para ganhar as eleições pela quarta vez consecutiva, respirando-se pesadamente o medo causado pelo equilíbrio de terror da guerra-fria. A sociedade civil, inebriada pelos media, implode-se sobre ameaças invisiveis (a grande bomba omnipresente!) fazendo avançar funebremente o relógio simbólico do dia-do-juizo-final! O medo é sempre maior face aquilo que não se compreende e estes super-heróis são estranhamente familiares!


Watchmen é uma obra de época, porque foi escrita dedicadamente na, e para a década de oitenta e esse facto, retira-lhe alguma relevância e actualidade. Simultaneamente, pela sua estrutura gargantuesca, minuciosa e dependente do pormenor (o leitor tem que acompanhar simultaneamente dez, quinze linhas narativas diferentes ao longo da obra!) a novela gráfica daria generosamente mais de trinta horas de filme. Assim, como filmar o infilmável?


Depois de uma pletura de notáveis realizadores vergados à magnitude do projecto, tais como, Terry Gilliam (Doze Macacos), Darren Aronosky (The Wrestler, Requiem for a dream) e outros, Zack Snyder (300, O despertar dos mortos) decidiu reunir as suas tropas e contar todas as espingardas antes de embarcar na odisseia de adaptar, somente, a mais venerada e respeitada novela gráfica da história dos comics americanos!





O filme é uma tradução fiel do livro que lhe serviu de base, estão lá todos os diálogos (por vezes palavra por palavra) todos os enquadramentos, tiques, cadências e acções narrativas, facto que não causa estranheza, dada a natureza cinematográfica dos desenhos originários de Dave Gibbons (desenhador original da novela gráfica). Por outro lado, é essa mesma subtracção criativa voluntária, por parte do realizador Zack Snyder, que causa uma certa sensação de incompletude ou falta de originalidade. Zack Snyder, provavelmente agradece a crítica como um puro elogio, pois a sua reverência para com o material em mãos é tal, que adulterá-lo poderia-lhe parecer heresia.


O filme, a par do "Cavaleiro das Trevas" (escandalosamente esquecido pela academia na nomeação para melhor filme) é em si mesmo uma experiência agradável, pela forma adulta e brutal (os seus heróis violam, sangram, matam e enganam como o comum dos mortais) com que pretende retratar uma história sem subestimar a inteligência do seu público. Alan Moore entendeu esta necessidade de elevar a fasquia, nos anos oitenta, escrevendo algumas das mais provocantes obras de banda desenhada (V de Vingança, Watchmen, Swamp Thing, From hell) finalmente, o cinema parece querer acompanhá-lo!




P.S. Atenção à banda sonora, que apesar de óbvia em alguns momentos, encerra significados deliciosos e subliminares sobre o desenrolar da história (a escolha engloba escolhas improváveis tais como, Simon & Garfunkel, Bob Dylan, billie holyday ou Hendrix) e como alguém disse, estranhamente, tudo isto faz sentido!

2 comentários:

Pedro Indy disse...

Convenceste-me a ver o filme. Se não gostar, de castigo vou-te por a falar com o Léo sobre futebol durante duas horas seguidas!

Onun Ras Al Gull disse...

...olha, o que eu vou ás reuniões!