quinta-feira, 6 de março de 2008

nascer do lado errado da vida

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nasci do lado errado da vida.
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eu sentado na poltrona, confessava a minha desilusão permanente. discorria sobre discursos ensaiados paa não fazer denotar a fraqueza intensa da minha loucura. e anuia. e concordava. aceitava.
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prognóstico reservado. doutor, diga então para que lado é que me viro. e ele olhava. coçava a cabeça, meia sem cabelo, outra metade de velhos brancos pendentes. aludia a poções milagrosas de outros tempos, que já pouco se usavam. poderia o senhor valério aproveitar essa sabedoria ancestral. já conheci alguns que nasceram assim do lado errado da vida. não foram muitos por certo. e no entanto todo o homem é capaz de mudança e passível de cura.
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e eu ia respondendo, não sei senhor doutor.
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(ia comendo um pão meio seco e bebia um vinho de sabor intenso,caseiro, ainda assim umas lascas de presunto disfaçavam a pobreza do que o homem oferecia aos seus pacientes)
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não sei, repetia eu. eu nunca mudei doutor. cresci a ver o mundo de pernas para o ar. do avesso. do lado errado. fiz a escola toda, trabalhei sempre com dedicação e sem queixas. mas doutor eu nunca parei de escrever em toda a minha vida. tenho 32 livros, volumes de diários que me enchem as estantes do quarto (onde já mal me mexo), e ainda algumas caixas no sotão, e na sala, e na arrecadação. o que eu precisava era conseguir deixar de viver a vida desses meus personagens e viver a minha.
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homem, você só pode viver uma vida. quando morrer tudo estará terminado. pense que precisa relaxar e ser feliz. agora vá, e pense no que lhe digo. o melhor para si é provar a mistura que lhe receitei.
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juro que mal saí, já me pesavam as pálpebras de novo. e juro que com aquilo, eu nunca deixaria de escrever. e mesmo cansado decidi começar a alinhar a história da vida que sonhei ter. a outra metade da vida em que poderia ter nascido.

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