quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

o hiperconsumismo segundo s. g.

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não deve haver pior pesadelo do que este de jorge de sena. de facto não poder aceder à cultura (apesar de não estar necessariamente ligado à falta de dinheiro) é um mal que não desejo a um inimigo. apesar de admitir que para algumas pessoas, o livro não é mais que um peso (pesado?) e, nessa justa medida, não mais que um castigo.
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eu próprio de tempos a tempos tenho uma relação estranha com os livros. neste momento tenho três casos pendentes (em duas vertentes). por um lado suspendi a leitura dos maias (deve ser uma maldição), suspendi o arquipélago da insónia e carta ao pai de kafka. estes são os momentos em que me questiono se não estarei com os gostos distorcidos, se maquinalmente não estarei a desviar-me de um caminho necessário de brumas silenciosas em que nos podemos perder nas escolhas literárias. agradeço que avisem se porventura acharem que sim.
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[só para completar este raciocínio deixem-me ressalvar que, não totalmente por minha culpa, tenho 3 livros zangados comigo. um porque o sublinhei - e os livros de poesia detestam isso; outro porque o manchei inadvertidamente com os dedos sujos; e outro ainda porque o emprestei sem o ter lido (e não é meu costume)]
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o meu objectivo primordial é essencialmente sentir prazer na leitura. não se espere contudo que quanto mais se ler, mais astutos iremos ficar. ou se, ao lermos muito, teremos capital moral superior a outras pessoas menos dadas a desperdiçar o seu tempo com isto. espero, apenas e só, que respeitem quem gosta da leitura (nos dias de imediatismo que correm podemos correr o risco de depreciar quem se dedica a este hobbie). assim como eu respeito quem não quer ler por opção. e respeito também quem encontra no espelho de uma qualquer fábrica de sonhos (vulgo loja de moda) o seu orgasmo intelectual diário. o que convém é que as pessoas não percam a noção de que estamos em definitivo numa era diferente que, não sendo nova, nem de maneira alguma original, será com certeza uma fase acérrima de viciação no consumismo.
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volto a falar nisto do hiperconsumismo para afirmar que é um problema que me atinge de sobremaneira. ninguém escapa. e por vezes cedo naturalmente. demorei a convencer o meu lado racional que teria de investir. nos grandes dias do desconto da fnac debitei mais uns euros na conta da megastore. eis a lista da perdição,
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a viagem do elefante, josé saramago
nenhum olhar, josé luís peixoto
myra, maria velho da costa
diário de um ano mau, j. m. coetzee
um homem: klaus klump, gonçalo m. tavares
a máquina de joseph walser, gonçalo m. tavares
balada da praia dos cães, josé cardoso pires
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vou só especificar o último caso. o livro do cardoso pires (uma obra que figura nos manuais como obrigatória do autor a par de delfim, custou 3, 87 €. com o desconto de 10% do cartão fnac passou a custar (deixem-me só terminar a conta...) 3, 483 €. some-se mais 10 % de desconto comemorativo do dia fnac, e dá a módica quantia 3, 135 €. fico uns segundos a olhar o número e não me ocorre dizer nada. (este camarada foi bastante irónico com o alvoroço do dia) apesar de tudo não vou revelar quanto gastei num aninho de fnac de braga. seria indecoroso nos tempos de crise que correm.
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é óbvio que também há quem compre para encher uma vistosa biblioteca de sala, e tem esse condão de dar emprego a algumas pessoas. (eu só o faço para ler. demore o tempo que demorar) e há também quem tenha em vista um grande negócio com certos e determinados livros que eu por acaso até tenho. veja-se este caso vendido em leilão por quase 70 euros. o meu custou 18.
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agora não me ocorre como espremer mais esta questiúncula pertinente. reflicto sobre isto para que não me esqueça de ter razões firmes em tudo o que faço. é que comprar faz-nos realmente bem. desde que não nos dispensemos de uma análise prévia da necessidade do que iremos comprar. mas isso é com cada um. não pensem que aqui por aqui se dão conselhos. escrevo só para passar tempo antes de ir jantar.
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" [...] O luxo se desenvolve, porque ele vem compensar a falta de sonho, as pessoas procuram isso. Essa leitura é pessimista, mas não deixa de ser verdadeira. Parte dela é correcta, mas não é tudo. Acho que tem uma parte positiva também, algo de gosto, um gosto hedonista, de saborear e descobrir coisas bonitas. [...] mostra que a libido pode estar em outro lugar que não no sexo. A libido pode estar nas mãos, no nariz, nos ouvidos, no gozo, e eu acho que o luxo é um. [...]"
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gilles lipovetsky

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