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ele sentou-se na berma da estrada. olhou com produnda saudade os campos que na sua cabeça ainda estavam a ser arados, fresados, adubados e amanhados ao gosto dos agricultores. a sua cabeça era a paz liberta dos pecados e dos erros. sentado a fumar o seu cigarro, pensava ainda nas lutas que travara, na mulher que ficara para trás, a viúva fazia o mesmo naquele momento. e ele ali sentado, os carros passando em marcha lenta como o seu pensamento, marcava a sua vida em pautas de música, pássaros chilreando perto em uníssono, a sua miséria termina assim sem a glória que ele pensava alcançar.
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desceu da camioneta. parou como a tirar medidas aos espaços, às ruas, aos caminhos, todos a olharem com ar de poucos amigos, desconfiando da sua presença. chamou um táxi pela primeira vez na sua vida. deu a indicação da morada, e aproveitou a viagem a pensar no que diria. assim as palavras saíssem da sua boca, com a mesma profusão com que decidira a sua vida. pagou o táxi, tirou as malas e ao aproximar-se da porta, antes de bater, pensou ainda no discurso que ensaiara, e naquele momento apenas assolava à sua cabeça a decisão. mas nada o impediria. bateu à porta. duas vezes. ninguém abriu. desceu as escadas da entrada e deixando as malas à porta foi pelas traseiras. ali estava ela. sentada a ver os campos lavrados, semeados, germinando neles a semente ainda pelas mãos dele plantada.
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a viúva olhou com embargo nas palavras, e apenas disse, antónio voltaste. e ele ali parado sem saber o que dizer, apenas sorriu dizendo, voltei para viver contigo. e ela disse que ele podia ficar ali mesmo na sua casa, para que os desejos noctívagos que lhe assaltavam o corpo pudessem ser saciados à hora e ao sabor dos seus anseios. a única coisa que ele fez foi afagar a cara dela com a mão direita, fazendo lembrar o dia em que se conheceram, e sentindo a sua pele, entraram deitando-se na cama, sem palavras desnecessárias, ela de lado na sua posição, ele entrando devagar na cama, dois ou três beijos fugidios, e o amor de ambos em movimentos secretos, escondidos no intimo, revelado por esta pena, sendo selados para o fim dos dias do desterro.
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o homem que vemos sentado no quintal, a fumar o cigarro e falando para a sombra, está no fim dos seus dias, olhando o seu pai nos olhos, dizendo que morria feliz hoje. o seu pai veio acompanhar a sua partida para o mundo dos desaparecidos. ele sorri ao seu pai e suspira encostado à oliveira com mais de cem anos. lá dentro a viúva deitada na cama, sorri ao seu pai falecido, que a vinha buscar também. o momento gravado na memória deles. o suspiro final de ambos na terra do desterro. na terra do nada. onde todos são a prova dos dias que continuam. mesmo que o amor vingue a espaços, nada é eterno.
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à entrada da aldeia colocaram um letreiro que diz "dos amores aqui vividos, reza uma história de desterro. o erro será não visitar este paraíso".
ele sentou-se na berma da estrada. olhou com produnda saudade os campos que na sua cabeça ainda estavam a ser arados, fresados, adubados e amanhados ao gosto dos agricultores. a sua cabeça era a paz liberta dos pecados e dos erros. sentado a fumar o seu cigarro, pensava ainda nas lutas que travara, na mulher que ficara para trás, a viúva fazia o mesmo naquele momento. e ele ali sentado, os carros passando em marcha lenta como o seu pensamento, marcava a sua vida em pautas de música, pássaros chilreando perto em uníssono, a sua miséria termina assim sem a glória que ele pensava alcançar.
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desceu da camioneta. parou como a tirar medidas aos espaços, às ruas, aos caminhos, todos a olharem com ar de poucos amigos, desconfiando da sua presença. chamou um táxi pela primeira vez na sua vida. deu a indicação da morada, e aproveitou a viagem a pensar no que diria. assim as palavras saíssem da sua boca, com a mesma profusão com que decidira a sua vida. pagou o táxi, tirou as malas e ao aproximar-se da porta, antes de bater, pensou ainda no discurso que ensaiara, e naquele momento apenas assolava à sua cabeça a decisão. mas nada o impediria. bateu à porta. duas vezes. ninguém abriu. desceu as escadas da entrada e deixando as malas à porta foi pelas traseiras. ali estava ela. sentada a ver os campos lavrados, semeados, germinando neles a semente ainda pelas mãos dele plantada.
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a viúva olhou com embargo nas palavras, e apenas disse, antónio voltaste. e ele ali parado sem saber o que dizer, apenas sorriu dizendo, voltei para viver contigo. e ela disse que ele podia ficar ali mesmo na sua casa, para que os desejos noctívagos que lhe assaltavam o corpo pudessem ser saciados à hora e ao sabor dos seus anseios. a única coisa que ele fez foi afagar a cara dela com a mão direita, fazendo lembrar o dia em que se conheceram, e sentindo a sua pele, entraram deitando-se na cama, sem palavras desnecessárias, ela de lado na sua posição, ele entrando devagar na cama, dois ou três beijos fugidios, e o amor de ambos em movimentos secretos, escondidos no intimo, revelado por esta pena, sendo selados para o fim dos dias do desterro.
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o homem que vemos sentado no quintal, a fumar o cigarro e falando para a sombra, está no fim dos seus dias, olhando o seu pai nos olhos, dizendo que morria feliz hoje. o seu pai veio acompanhar a sua partida para o mundo dos desaparecidos. ele sorri ao seu pai e suspira encostado à oliveira com mais de cem anos. lá dentro a viúva deitada na cama, sorri ao seu pai falecido, que a vinha buscar também. o momento gravado na memória deles. o suspiro final de ambos na terra do desterro. na terra do nada. onde todos são a prova dos dias que continuam. mesmo que o amor vingue a espaços, nada é eterno.
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à entrada da aldeia colocaram um letreiro que diz "dos amores aqui vividos, reza uma história de desterro. o erro será não visitar este paraíso".
8 comentários:
ALÍVIO!
O FINAL É UMA SECA!
MAIS QUE NÃO SEJA POR SER O FIM EM SI MESMO!
Seca apanhei eu aqui à porta à espera do ultimo capitulo :)
Mas valeu apena.
Como banda sonora para estas fantasticas ultimas cenas seria sem duvida a cargo de rodrigo leão, com suas composições melancolicas que nos deixam sempre com saudades de algo ou alguem ... foi isso que senti agora ...
optimo trabalho
Ahhhhh! Até que enfim que o António tem alguma felicidade na vida... mesmo que efémera.
PARABÉNS! Gostei muito!!!
Se eu soubesse que o fim tinha sido ontem...
Gostei imenso deste fim, do princípio e de todos os seus meios. Este António não me desiludiu nada, nada.
Fernando Pessoa estás mesmo de Parabéns!!
"(...) a arte é uma forma de crítica, porque fazer arte é confessar que a vida ou não presta, ou não chega."
Álvaro de Campos
Invadiu-nos um anónimo, masi pessoano que o próprio pessoa :)
Obrigado pelas citações.
Afinal era um paraíso...é bom encontrar a felicidade, seja ela como for desde que nos abençoe com um sorriso, independentemente do tempo que for...ao menos senti-la, nem que seja por uma vez!
Feliz Natal a todos se não nos encontrarmos ainda por aí ou por aqui. Boas festas.
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