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Braga é quase uma cidade superior. Na semana passada escrevi sobre ela e sobre o Sporting dela e nunca tive tantas reacções. Por uma só coluna recebi mais comentários e citações do que por todas as crónicas que aqui escrevi desde o primeiro número da J.
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Quero agradecer, sobretudo ao magnífico site que é o superbraga.com. É um site de fanáticos do Sporting de Braga, que está em número 1 e, por conseguinte, numa posição de mandar fazer amor à concorrência. Mas não.
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Eles sabem que eu sou um lisboeta e benfiquista genético e incurável e que, ainda por cima, tenho uma panca severa pelo Porto e uma admiração-quase-orgulho pelo FCP.
Sabem que eu queria que o Benfica ganhasse o campeonato, graças ao treinador que roubamos ao Braga. E, no entanto, tiveram a generosidade e a superioridade civilizacional de agradecer o meu elogio e de entendê-lo no espírito em que foi feito.
Desde quando é que um benfiquista, portista ou sportinguista faria isto? Nunca. Os bracarenses são diferentes. São aristocratas. Aceitam amavelmente a admiração do povo enganado e distante.
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Se calhar, são juntamente com os alentejanos litorais, os únicos portugueses que não tratam como estrangeiros os portugueses que tem o azar de não ser de lá.
Mal se chega a Braga, vem logo o abraço do "bem-vindo ao clube!" Não é o clube de Braga. É o clube dos portugueses.
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Uma pessoa diz, quase como se pedisse desculpa, que é do Benfica. Eles respondem: "Não te preocupes, que não levamos a mal. Se calhar, nasceste lá, em Lisboa? E a escolha era seres do Sporting ou do Benfica? Imagino a pressão! Fizeste bem em escolher o Benfica! E o Sporting também é um clube porreiro, apesar de queque. É pena não seres do porto: o Porto é mesmo bom."
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O Sporting de Braga vendeu o treinador genial e faz questão de ficar à frente do clube cem mil vezes mais rico que o comprou. Dirão que é uma questão de tempo. Pois sim, porque o dinheiro significa jogadores muito melhores. Mas, à partida, quando mais interessa, o Sporting de Braga já ganhou este campeonato. As respostas no Superbraga.com - no qual me registei, com o meu e-mail verdadeiro, para poder agradecer - são um exemplo para os outros adeptos dos outros grandes clubes do mundo. Mostram que se pode ser incondicional e fanático sem se ser malcriado ou cego ou agressivo. Mostram que a superioridade genuína não é rejeitar nem desconfiar dos elogios alheios - mas agradecê-los com generosa condescendência, do género "Olha, este pobre desgraçado, preso a outro clube por razões meramente geográficas ou genéticas, ainda tem a clarividência de reconhecer que o Sporting de Braga é um grande clube e a inteligência de compreender que tal se deve a Braga ser uma grande cidade."
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Como benfiquista, há muito que me magoa nesta atitude. Pensave que éramos nós os mais inclusivos. Se fosse Sportinguista, também me magoaria, pensando que éramos os maiores snobs. Se fosse portista, já sabia (com mesmo o medo e respeito) que Braga e o Sporting de Braga são mesmo assim.
Superiores. Gentis. Bem-educados. Sinceros. Como português, tiro-lhes o chapéu. E, com toda a sinceridade, rendo-me a eles.
Mais do que isto, não posso dizer. Mas já disse. Exijo que o Benfica nomeie uma equipa de investigadores que descubra (inutilmente, de certeza) o que eles tem e nós nunca teremos. Serem bracarenses. É uma das poucas coisas que não se podem fingir: ou se é ou não se é. Eles são. Nós não. Paciencia.
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Revista “J” do jornal “O Jogo” de 11-10-2009